Direito Processual Eleitoral ou Direitos Processuais Eleitorais?
– As Leituras Críticas da Locução Processo Eleitoral –
Francisco Landim
Sumário: 1. Introdução. 2. O Quadro Sistemático dos Direitos Processuais Eleitorais. 3. O Processo Eleitoral. 4 As várias Leituras da Expressão Processo Eleitoral. 4.1. O Processo Eleitoral Não-Estatal (1ª Leitura). 4.2. O Processo Eleitoral Estatal (2ª Leitura). 4.2.1. O Processo Eleitoral Estatal, em Sentido Amplo (1ª Acepção). 4.2.2. O Processo Eleitoral Estatal, em Sentido Estrito (2ª Acepção). 5. O Impasse Doutrinário Criado pelas Concepções do Processo Eleitoral Stricto Sensu e do Processo Eleitoral Latu Sensu. 6. A Construção da Dogmática Jurídica do Direito Processual. 7. A Unidade do Direito Processual Eleitoral. 8. À guisa de conclusão. BIBLIOGRAFIA.
1. Introdução
O Direito Processual Eleitoral é o conjunto de normas e princípios jurídicos disciplinadores do processo eleitoral.
O processo eleitoral aparece, assim, como o objeto deste sistema normativo, que se denomina Direito Processual Eleitoral, na enciclopédia jurídica do moderno Direito Processual, do qual é um dos ramos politicamente mais importantes, ao lado do Direito Processual Constitucional.
Não se ignora, porém, que há uma significativa variedade de processos eleitorais, com pressupostos, institutos e escopos próprios, dando lugar à formação de verdadeiros microssistemas normativos processuais, que não podem ser designados senão como Direitos Processuais Eleitorais.
Pode-se dizer, então, que, visto pelo ângulo do processo eleitoral, que é seu objeto, o Direito Processual Eleitoral não constitui uma unidade normativa, já que a variada gama de processos eleitorais leva ao aparecimento, por assim dizer, de vários Direitos Processuais Eleitorais, como verdadeiros ramos desse que se chama, na sua unidade política, de Direito Processual Eleitoral.
A doutrina ainda não atentou para essa realidade, isto é, a existência de vários Direitos Processuais Eleitorais, presa à idéia de que o Direito Processual Eleitoral está diretamente ligado à disciplina da jurisdição eleitoral1.
Mas não é isso que sugere a expressão processo eleitoral, com diferentes disciplinas normativas, e que é, em última análise, o diversificado objeto de cada um desses variados Direitos Processuais Eleitorais.
Assim, há processo eleitoral estatal e processo eleitoral não-estatal. No âmbito do processo eleitoral estatal, há processo eleitoral, em sentido amplo, e processo eleitoral, em sentido estrito. Ou, ainda, de outra forma, pode-se falar, na perspectiva do processo eleitoral estatal, em processo eleitoral jurisdicional e em processo eleitoral não-jurisdicional.
Para cada um desses processos eleitorais, há um Direito Processual Eleitoral, cuja summa divisio outra não é senão o Direito Processual Eleitoral estatal e o Direito Processual Eleitoral Não-Estatal, conforme seja exercido ou não por entes estatais.
O Direito Processual Eleitoral Estatal subdivide-se, por sua vez, em Direito Processual Eleitoral Jurisdicional e Direito Processual Eleitoral Não-Jurisdicional.
O Direito Processual Eleitoral Estatal Jurisdicional, ou, simplesmente, Direito Processual Eleitoral Jurisdicional, pode ser penal – o Direito Processual Penal Eleitoral, aplicado por juízes e tribunais eleitorais no processamento e julgamento de crimes eleitorais, e não-penal ou extrapenal – o Direito Processual Eleitoral, aplicado na solução das lides eleitorais civis ou não-criminais, e que tem por isso como fonte subsidiária o Código de Processo Civil2.
O Direito Processual Eleitoral Estatal Não-Jurisdicional, ou, mais resumidamente, Direito Processual Eleitoral Não-Jurisdicional, é composto i) pelo Direito Processual Eleitoral Legislativo que regula a proteção de normas jurídicas eleitorais pelo Poder Legislativo e pela justiça eleitoral, que, como se sabe, “exerce a função jurisdicional, administrativa e normativa”3; ii) pelo Direito Processual Eleitoral Político, que estabelece o procedimento para as eleições políticas, desde as convenções partidárias até a diplomação dos eleitos, e que a doutrina confunde com o Direito Processual Eleitoral, em sentido estrito, que tem caráter jurisdicional; e, por fim, iii) o Direito Processual Eleitoral Administrativo, constituído pelo conjunto de normas que impõe ao juiz eleitoral de qualquer grau o exercício da função administrativa, por agir, nesse caso, como “administrador do processo eleitoral”4.
Por outro lado, o Direito Processual Não-Estatal, que é exercido por entidades não-estatais, comporta pelo menos duas divisões – o Direito Processual Eleitoral Partidário e o Direito Processual Eleitoral Empresarial, Associativo ou Fundacional.
O Direito Processual Eleitoral Partidário é aquele que serve a exercício das atividades partidárias, como a filiação ou a desfiliação dos membros do partido político, ou a eleição de seus dirigentes. Assim, como existe um direito partidário5, compreendido como direito material, faz-se preciso o Direito Processual Eleitoral Partidário, que tem por objeto o processo eleitoral partidário.
O Direito Processual Eleitoral Empresarial6, Associativo ou Fundacional, por sua vez, regula o processo eleitoral nas organizações privadas desprovidas de caráter partidário.
Acima de todos esses Direitos Processuais Eleitorais, o Direito Processual Eleitoral Constitucional, compreendido como instrumento da supremacia da Constituição em matéria de direitos políticos.
Por todas essas razões, expostas em vôo de pássaro, pode-se afirmar que não há apenas um Direito Processual Eleitoral, como importante ramo do Direito Processual moderno, mas há vários Direitos Processuais Eleitorais, em função da variedade de processos eleitorais disciplinados pelo ordenamento jurídico.
2. O Quadro Sistemático dos Direitos Processuais Eleitorais
Com base nestas idéias, assim pode ser composto o quadro dos Direitos Processuais Eleitorais, a partir de diferentes modalidades de processo eleitoral7:
Direitos Processuais Eleitorais
I. Direito Processual Eleitoral Estatal:
1. Direito Processual Eleitoral Jurisdicional:
1.1 Direito Processual Eleitoral Constitucional;
1.2 Direito Processual Eleitoral Penal;
1.3 Direito Processual Eleitoral Civil;
2. Direito Processual Eleitoral Estatal Não-Jurisdicional:
2.1 Direito Processual Eleitoral Legislativo;
2.2 Direito Processual Eleitoral Político;
2.3 Direito Processual Eleitoral Administrativo;
II. Direito Processual Eleitoral Não-Estatal:
1. Direito Processual Eleitoral Partidário;
2. Direito Processual Eleitoral Empresarial, Associativo ou Fundacional.
3. O Processo Eleitoral
A pedra de toque desta variedade de Direitos Processuais Eleitorais é, como já se assinalou, o processo eleitoral, em suas várias modalidades.
Compreendido o processo eleitoral como procedimento de eleição política8, ou de eleição administrativa, em organizações estatais ou não-estatais, o que deve ser destacado no exame desta temática é, dentre outros pontos, a ambigüidade da locução processo eleitoral, o que já levou o STF, para além de definir-lhe os pressupostos, em r. Acórdão da lavra do Min. Ricardo Lewandowski9, esforçar-se mesmo em fixar “o sentido jurídico-constitucional da expressão processo eleitoral”, em r. Acórdão da lavra do Min. Celso de Mello10.
Decididamente, a expressão processo eleitoral é ambígua, isto é, carece de precisão lingüística, em razão de seus vários significados.
Assinala Adriano Soares da Costa “(os) intensos problemas de ambigüidade dos termos jurídicos”, na seara do Direito Eleitoral, “que são aplicados pelo legislador sem qualquer cuidado, a mais da vez de modo grosseiramente equivocado”, em decorrência, sobretudo, “(da) edição de leis casuísticas para cada e determinada eleição”11.
Com certeza, não é esse casuísmo a origem da ambigüidade da expressão processo eleitoral. De qualquer sorte, o que se pode dizer sobre a ambigüidade desta locução jurídica é que se faz uso dela como signo lingüístico designatório de “realidades distintas, tornando indeterminado o conceito jurídico, mercê de sua ambigüidade”, o que impõe ao intérprete ou ao pesquisador do direito “o cuidado em precisar o significado com o qual o termo jurídico está sendo manipulado, de modo a evitar confusões conceptuais”12.
Assim, o termo jurídico processo eleitoral está consagrado no art. 16 da CF13, e aí se encontra como conceito indeterminado, segundo o STF, que procurou fixar não somente “(o) significado da locução ‘processo eleitoral’”, como, também, “(o) alcance e o conteúdo de sua noção constitucional”, como se lê em r. Acórdão da lavra do Min. Celso de Mello, no julgamento da ADI 353 MC/DF14, numa eloqüente demonstração da ambigüidade deste vocábulo.
Ora, a necessidade de fixar-se o sentido constitucional da expressão processo eleitoral, como lembra o STF, implica em admitir que esta locução, como conceito indeterminado, ou cláusula constitucional geral, oferece margem para mais de um sentido ou de uma acepção jurídica, reportando-se, assim, a doutrina, de modo geral, ao processo eleitoral em sentido lato e ao processo eleitoral em sentido estrito15.
Conclui-se disso tudo que o termo processo eleitoral, por não ser uma expressão unívoca, permite ao intérprete, ou ao estudioso do direito, a realização de várias leituras, na linha de suas múltiplas acepções jurídicas.
4. As Várias Leituras da Expressão Processo Eleitoral
Abrindo-se o leque das acepções do termo processo eleitoral, e, por assim dizer, de sua respectiva leitura, pode-se falar, no ordenamento jurídico brasileiro, em processo eleitoral estatal e em processo eleitoral não-estatal, conforme seja adotado, como procedimento eleitoral, no âmbito das organizações estatais, para o exercício de suas atividades político-administrativas, ou, fora delas, pelas organizações privadas ou não-estatais.
4.1 O Processo Eleitoral Não-Estatal (1ª Leitura)
Não se ignora que o processo eleitoral, como procedimento de eleições políticas, ou eleições administrativas, ou, ainda, de caráter diretivo ou gerencial, existe, também, no âmbito de entidades privadas ou não-estatais, como, por exemplo, os partidos políticos.
Nesse sentido, a Resolução nº 19.406/95, que dá “instruções para a fundação, organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos”, determina que o estatuto partidário conterá normas sobre processo de eleição dos membros dos seus órgãos diretivos nos níveis municipal, estadual e nacional16.
Não há duvida que o processo de eleição, pare a escolha dos dirigentes partidários, na forma das normas estatutárias do partido, é processo eleitoral, que se passa, como é evidente, no domínio dos partidos políticos, pessoas jurídicas de direito privado17, cujas funções são essencialmente políticas, no contexto do regime democrático de direito18.
E o conteúdo desta 1ª leitura não se encerra por aqui, porque há também processo de eleição ou processo eleitoral em outras pessoas jurídicas de direito privado, como associações e sociedades, que não têm, contudo, qualquer função político-partidária.
Desse modo, nas associações, há a eleição dos administradores, na forma estatutária19, e, nas sociedades corporativas, que bem ilustram o caso em debate, deverá ser indicado, nos seus respectivos estatutos, o processo de substituição de administradores e conselheiros fiscais20, que são eleitos pela assembléia geral, têm mandato e tomam posse para o exercício das atribuições diretivas destas sociedades21.
Pode-se até pensar que esse processo de substituição ou processo de eleição dos dirigentes destas organizações privadas ou não-estatais não deve ser encarado como processo eleitoral, na medida em que eleições dessa natureza não são eleições políticas.
Entretanto, o intérprete, neste particular, vê-se a braços com o que o art. 18 da Lei nº 6.404/76, das sociedades por ações, ao definir como “vantagens políticas” “o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração”, que pode ser assegurado pelo estatuto social a uma ou mais classes de ações preferenciais22.
Pelo senso comum, só há “vantagens políticas” em eleições políticas, mas, ao que parece, o direito de eleger, que é exercido por meio de processo eleitoral, tem natureza política, ainda quando exercido na esfera das organizações privadas ou não-estatais.
De qualquer sorte, posto de lado o questionamento sobre a natureza jurídica das eleições no terreno dos entes privados ou não-estatais, sem função política específica, no contexto do Estado Democrático de Direito, pode-se falar, no âmbito destas entidades, em processo eleitoral, compreendido, em qualquer caso, como o conjunto de regras que dispõe sobre as eleições dos seus dirigentes em seus respectivos estatutos ou legislação especial23.
A doutrina, porém, parece refratária a esse entendimento, ao sublinhar, como o faz Marcus Vinicius Furtado Coelho, que “as eleições (...) de associações, sindicatos e pessoas jurídicas em geral, não são matérias afetas ao processo eleitoral”, porque, “regulamentadas pelos seus (...) Estatutos”, têm os conflitos dirimidos no particular “pela justiça comum”, muito embora “o direito eleitoral (informe) subsidiariamente tais eleições”24.
Apesar disso, a teoria geral do processo, no exame da vasta fenomenologia jurídica da processualística moderna, tem dado pela existência de processos estatais e não estatais, como o faz Cândido Rangel Dinamarco, ao escrever que “há processos estatais e não-estatais, conforme sirvam ao exercício do poder pelo Estado ou por outra entidade”25.
Daí porque Elio Fazzalari afirma que “o emprego do processo se observa também fora e/ou de modo independente do nosso ordenamento estatal”26. De tal modo, explicita Cândido Rangel Dinamarco, que as chamadas entidades intermediárias – “(partidos políticos, sindicatos, associações de toda ordem, sociedades civis e comerciais)”, têm a sua forma de processo não-estatal, o que se constata, inclusive, no seio de entidades como a família e as favelas27.
Todas estas considerações justificam inteiramente a acepção do processo eleitoral como processo eleitoral não-estatal, que é uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro.
O processo eleitoral não-estatal, que é gênero, abrange, como espécies, o processo eleitoral partidário, que é próprio das agremiações políticas, e o processo eleitoral empresarial, associativo, ou fundacional, aplicável ao exercício das atividades realizadas pelas chamadas entidades intermediárias, ou seja, sindicato, associações, sociedades, fundações.
Cada uma destas modalidades de processos eleitorais não-estatais, está disciplinada pela legislação especial, ou por normas estatutárias próprias, reunidas nesse microssistema jurídico denominado Direito Processual Eleitoral não-Estatal, ou, simplesmente, Direito Processual Eleitoral Privado, isto é, o conjunto de regras disciplinadoras do processo eleitoral no âmbito das entidades privadas ou não-estatais, como, verbi gratia, os partidos políticos, associações e sindicatos.
Como já se anotou, anteriormente, o Direito Processual Eleitoral Privado subdivide-se em Direito Processual Eleitoral Partidário e Direito Processual Eleitoral Empresarial, Associativo ou Fundacional, consoante tenha por objeto o processo eleitoral partidário, ou, conforme o caso, o processo eleitoral empresarial, associativo ou fundacional.
4.2 O Processo Eleitoral Estatal (2ª Leitura)
O Processo Eleitoral Estatal tem expressa consagração constitucional (art. 16, da CF), e, neste dispositivo, está diretamente relacionado com a eleição política28.
É que existe “uma relação de implicação entre democracia e processo eleitoral”29, já que as eleições políticas são próprias dos regimes democráticos. Nesse sentido é que se pode compreender, então, o processo eleitoral estatal como procedimento de eleições políticas, devidamente estruturado em termos normativos.
O certo é que o processo eleitoral estatal é, de longe, o mais estudado pela doutrina, o mais aplicado pelos tribunais, o mais discutido na jurisprudência, em razão não somente de sua importância para a democracia brasileira, como, também, em face da ambigüidade conceitual desta expressão jurídica.
Para superar a ambigüidade conceitual desta locução, a doutrina e a jurisprudência vêm falando em processo eleitoral em sentido estrito e processo eleitoral em sentido amplo30, sem, contudo, chegarem a um consenso quanto ao que se deve entender por cada uma destas modalidades processuais.
Nestas circunstancias, o processo eleitoral brasileiro, consagrado no art. 16 da CF, à luz da doutrina e da jurisprudência, comporta um duplo sentido, isto é, um amplo e outro restrito, cujo alcance e conteúdo ambas se esforçam em fixar, com algum sucesso, mas sem grande utilidade científica, ou proveito prático, em termos de teoria do processo eleitoral.
4.2.1 O Processo Eleitoral Estatal, em sentido amplo (1ª Acepção)
O que se compreende por processo eleitoral estatal, em sentido amplo, ou, simplesmente, processo eleitoral, em sentido amplo, como é correntio na doutrina, está exposto, com clareza, por José Jairo Gomes, ao escrever que, em sentido lato, o processo eleitoral é procedimento que se instaura para a realização de eleições, cujo início “coincide com as convenções partidárias para a escolha de candidatos e deliberação sobre coligação”, e se encerra com a diplomação dos eleitos, numa complexa relação que se forma “entre candidatos, partidos políticos, coligações, Justiça Eleitoral, Ministério Público e cidadãos com vistas à concretização do sacrossanto direito de sufrágio e escolha dos ocupantes dos cargos público-eletivos em disputa”31.
Nessa linha do processo eleitoral, em sentido amplo, Francisco Dirceu Barros especifica os sujeitos da relação processual eleitoral, de direito público, que são “a) o cidadão (...); b) o partido político; c) o pré-candidato; d) o candidato a eleição; e) o candidato eleito; f) o juiz eleitoral, ou tribunal (...); g) o Ministério Público Eleitoral”, sendo que, pelo seu caráter atributivo de direitos e deveres, “a relação processual eleitoral gera direitos e obrigações”, ainda na visão do citado autor, e dos quais são exemplos o direito de ação e o direito de defesa.32
A doutrina faz coro com o entendimento de que o processo eleitoral, em sentido amplo, é uma relação complexa, quer pela multiplicidade de sujeitos processuais, quer pela variada gama dos atos eleitorais, que são praticados pelos seus protagonistas, num arco que vai desde convenções partidárias até a diplomação dos eleitos pela justiça eleitoral.
Por isso, nesse mesmo diapasão, ainda, Tito Costa, considerando o processo eleitoral, em sentido amplo, como “todo complexo de atos relativos à realização de eleições”, “que vai desde a escolha dos candidatos em convenção partidária, até sua eleição, proclamação e diplomação”.33
Por fim, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ao escrever que “processo eleitoral em sentido lato são as fases organizativas, tais como registro de candidatos, campanha eleitoral, votação, apuração e diplomação”34, sugerindo, assim, a necessidade de estruturação em fases do processo eleitoral, em sentido amplo.
Não se pode negar a importância político-constitucional do processo eleitoral, compreendido em sentido amplo, e que pode ser definido, num primeiro momento, como procedimento de eleições políticas, definido constitucionalmente.
Nesta perspectiva, o processo eleitoral, em sentido amplo, é num instrumento da democracia, como ressalta, aliás, o STF, em r. acórdão da lavra do Min. Ricardo Lewandowski, e no qual se lê que o conjunto de procedimentos, que lhe são próprios, terminam por emprestar-lhe legitimidade nas democracias, nas quais tem por escopo evitar a ocorrência de deformações e desequilíbrios nas eleições políticas promovidas pelo Estado Democrático de Direito35.
O processo eleitoral, em sentido amplo, é disciplinado, nessa visão da matéria, pelo Direito Processual Eleitoral, que “(não cuida apenas) da resolução dos litígios decorrentes das eleições, como das diversas fases para a sua organização”.36
Em outras palavras, o processo eleitoral, em sentido amplo, é disciplinado por um Direito Processual Eleitoral, em sentido amplo, em razão mesmo da abrangência do seu objeto – o processo eleitoral, em sentido amplo, que se aplica, à luz desta concepção, tanto “(à) resolução dos litígios decorrentes das eleições, como também das diversas fases para a sua organização”37
Assim – e a conclusão é do leitor, o Direito Processual Eleitoral, em sentido amplo, subdivide-se em Direito Processual Eleitoral Jurisdicional, que cuida da resolução dos litígios decorrentes das eleições, e Direito Processual Eleitoral Não-Jurisdicional, que disciplina as diversas fases organizativas do processo eleitoral fora do âmbito jurisdicional.
Se estes Direitos Processuais Eleitorais têm objetos diferentes, porquanto um deles é processo eleitoral jurisdicional e o outro é processo eleitoral não-jurisdicional, porque chamá-los pelo nome de Direito Processual Eleitoral, compreendido em sentido amplo, para designar categorias processuais diferentes?
Na linguagem jurídica, como em qualquer outra, o que tem sentido amplo não é somente abrangente, ou ilimitado, mas também, inexato, impreciso, estabelecido em contraposição ao sentido estrito38, o que é incompatível com as ciências sociais, como o direito, que tem pretensão científica, e, por isso, apura ao extremo a sua terminologia jurídica, mormente na área da teoria da ciência processual.39
Ademais disso, a concepção ampla do Direito Processual Eleitoral, a partir do processo eleitoral, em sentido lato, termina por dificultar o estudo da própria disciplina, com a formulação de conceitos, condensação de princípios próprios ou específicos, a classificação de elementos categóricos, a formação de institutos jurídicos.
O enfoque da relação jurídica processual eleitoral é uma das dificuldades desta concepção ampla de processo eleitoral, e, por conseguinte, de Direito Processual Eleitoral, que ora se diz “formada por um autor, um órgão do Poder Judiciário que deve decidir a lide, e um réu”40, apelando-se, assim, para a sua forma triangular, e ora se defende que ela “envolve sempre o titular da pretensão (o Autor) e o competente do Poder Judiciário; normalmente, mas não sempre, faz-se também presente o titular do dever jurídico pretendido (o Réu)” 41, numa ideia que refoge à clássica triangularidade da relação jurídica processual. E, a par disso, José Jairo Gomes, tomando-a como relação complexa, com múltiplos sujeitos e múltiplos atos eleitorais, que não se revestem, necessariamente, de caráter jurisdicional42, enquanto isso Tito Costa proclama que o objeto da relação processual eleitoral, na sua expressão mais ampla, “será sempre ligado à organização e ao exercício de direitos políticos”, “incluindo-se precipuamente o direito de votar e ser votado”43, porquanto “o processo eleitoral (...) é o veículo pelo qual se estabelece e se exercita a relação processual no âmbito do Direito Eleitoral.”44
De amplitude em amplitude – Direito Processual Eleitoral, em sentido amplo; processo eleitoral, em sentido amplo; relação jurídica processual, em sentido amplo, o Direito Processual Eleitoral vai ganhando em imprecisão o que outros ramos do direito processual, como o processo civil e o processo penal, vão conquistando em termos de precisão científica.
Além disso, esse processo eleitoral, em sentido amplo, e seu correspondente Direito Processual, em sentido amplo, não são assim tão abrangentes, porque deles estariam excluídos “(as) disputas partidárias”45, “as eleições para os cargos de direção do Poder Judiciário”46, “o exercício do mandato”47, que não são da competência da justiça eleitoral.
De outro lado, porém, estas exclusões podem ser vistas como questões abertas, cujas respostas dependem ainda da luz das discussões.
De todo modo, as disputas partidárias, como já se observou neste texto, devem ser resolvidas à luz do Direito Processual Eleitoral Privado, que tem caráter estatutário, precipuamente, mas, independentemente disso, são resolvidas no âmbito do processo eleitoral partidário, que é processo eleitoral, propriamente dito, muito embora aplicado pela justiça comum.
Ao cabo de todas as contas, não é a aplicação pela justiça eleitoral que define a natureza do processo eleitoral, mas os seus pressupostos, ao lado de sua estrutura procedimental e dos seus escopos jurídicos, sociais e políticos.
Da mesma forma, as eleições para os cargos de direção do Poder Judiciário, não obstante o caráter regimental de suas normas estruturadoras, são matérias de processo eleitoral estatal, ou processo eleitoral público, desde que visam ao preenchimento dos cargos de representação política de um dos Poderes do Estado, e independentemente dos conflitos decorrentes destas eleições serem processados e julgados pela justiça comum.
A cassação de mandatos, no âmbito do Poder Legislativo, bem como o impedimento do chefe do Poder Executivo, federal, estadual, ou municipal, pelo Poder Legislativo é processo eleitoral, decretados em votações realizadas para a perda de mandato de seus respectivos titulares.
Talvez por estas ou outras razões, a doutrina, seguida pela jurisprudência, procura estabelecer, em meio a estes debates, um sentido próprio para a locução processo eleitoral, consagrada constitucionalmente, buscando definir, a um só tempo, o sentido, o alcance, o conteúdo e a noção conceitual desta expressão jurídica de largo espectro político.
4.2.2. O Processo Eleitoral Estatal, em sentido estrito (2ª Acepção)
Pela doutrina, Joel J. Cândido denomina processo eleitoral stricto sensu o que de outra parte expressiva da doutrina eleitoral conhece por processo eleitoral lato sensu, isto é, o procedimento “que começa com a convenção de escolha dos candidatos e termina com a diplomação”, passando pelo registro dos candidatos, propaganda, medidas preliminares “à votação e à apuração”48, sendo que “graficamente, pode-se ter uma visão melhor das fases e momentos que caracterizam o processo eleitoral (stricto sensu)” 49, cujo procedimento se inicia com as convenções partidárias e termina com a diplomação dos eleitos.50
Neste caso, a doutrina está chamando por nomes diferentes o mesmo instituto da processualística eleitoral brasileira – o processo eleitoral estatal, nominado ora de processo eleitoral, em sentido amplo, e ora de processo eleitoral, em sentido estrito, não obstante ambos tenham os mesmo contornos jurídicos, os mesmos sujeitos processuais, e, em termos de conteúdo, estejam constituídos pelos mesmos atos eleitorais, podendo ser definidos com idêntica noção conceitual, isto é, “todo complexo de atos relativos à realização de eleições”.51
Se é assim, qual a utilidade científica ou o proveito prático da divisão do processo eleitoral estatal, em sentido amplo, e do processo eleitoral, em sentido estrito? Por este ângulo, não há nenhuma vantagem científica ou prática, já que essas concepções chegam ao mesmo resultado, e, assim, denominam com nomes diferentes o mesmo instituto jurídico, o que mostra prima facie a inconsistência desta classificação ou enfoques doutrinários.
Reconheça-se, porém, a bem da verdade, que não é essa a intenção da doutrina eleitoral, que se esforça, ainda assim, na demonstração da tese de que o processo eleitoral lato sensu e o processo eleitoral stricto sensu não se confundem.
Assim, José Jairo Gomes assinala que “nos domínios do Direito Processual, o termo processo traduz a relação jurídica que se estabelece entre autor, Estado-juiz e réu (...), caracterizando-se como instrumento de exercício do poder jurisdicional”52, tendo este significado a expressão processo eleitoral, em sentido estrito53.
Nesta mesma linha, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ao considerar que “(o) processo eleitoral em sentido estrito é o chamamento da justiça eleitoral para resolver os conflitos inerentes às eleições”54.
Mas isso aumenta apenas a perplexidade do intérprete em matéria de processo eleitoral stricto sensu, a respeito do qual a doutrina tem noções conceituais totalmente díspares, por considerá-lo ora como “todo o complexo de atos relativo à realização das eleições”55, o que é mais consentâneo com o pensamento de Joel J. Cândido56, e ora como “instrumento de exercício do poder jurisdicional”57, “para resolver os conflitos inerentes às eleições”58, o que traduz as concepções de José Jairo Gomes e Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
E ainda à luz do que escrevem estes autores, é de se observar que Joel J. Cândido exclui o contencioso eleitoral de sua concepção de processo eleitoral stricto sensu, limitando-o aos atos destinados à realização das eleições, agrupados em diferentes fases processuais, ao passo que José Jairo Gomes e Marcus Vinicius Furtado Coêlho restringem o processo eleitoral stricto sensu ao processo jurisdicional, destinado à solução dos litígios eleitorais decorrentes da realização das eleições.
Por fim, há um terceiro modelo de processo eleitoral stricto sensu, apresentado na doutrina por José Afonso da Silva, que inclui no conteúdo desta modalidade processual não somente o contencioso eleitoral, como também, o complexo de atos destinados à organização e realização das eleições:
“O processo eleitoral compõe-se dos atos que, postos em ação (procedimento), visam a decidir, mediante eleição, quem será eleito; visam, enfim, a selecionar e designar autoridades governamentais. Os atos desse processo são a apresentação de candidaturas, seu registro, o sistema de votos (cédulas ou urnas eletrônicas), organização das seções eleitorais, organização e realização do escrutínio e o contencioso eleitoral”59
5. O Impasse Doutrinário Criado pelas Concepções do Processo Eleitoral Stricto Sensu e do Processo Eleitoral Lato Sensu
Estas concepções doutrinárias do processo eleitoral, em sentido estrito, não obstante o mérito da construção de cada uma delas, isoladamente consideradas, quando expostas em conjunto, num mesmo palco, constituem mais uma problematização sobre o processo eleitoral stricto sensu do que uma explicação acerca do seu significado, alcance, conteúdo e noção conceitual, o que gera maior ou menor impasse no espírito de investigação do pesquisador do tema.
Aliás, este impasse doutrinário é mais amplo, pois abrange também as concepções do processo eleitoral lato sensu, que, conquanto uniformes, quanto aos contornos jurídicos deste instituto, deixam a desejar quando definem o Direito Processual Eleitoral como ramo do direito que tem por objeto o processo eleitoral destinado à “resolução dos litígios decorrentes das eleições”60, como, também, as diversas “fases organizativas” dos pleitos eleitorais61.
Se há essa duplicidade de objetos no Direito Processual Eleitoral, que, não obstante a sua disparidade, integram, numa unidade, a mesma noção conceitual desse ramo do direito, resulta então sem utilidade prática ou científica essa distinção entre processo eleitoral lato sensu e processo eleitoral stricto sensu, já que tudo está englobado pela mesma conceituação deste ramo do Direito Processual.
Ora, se há um processo eleitoral lato sensu e um processo eleitoral stricto sensu, com pressupostos, conteúdo e objetivos próprios, haverá, então, pelo menos dois ramos do Direito Processual Eleitoral, cada um deles constituindo um sistema normativo de um processo eleitoral específico.
Esses impasses doutrinários, aparentemente insuperáveis, são responsáveis por definições fragmentadas do Direito Processual Eleitoral, por deixarem fora do seu alcance grande parte do conteúdo da noção conceitual da disciplina.
Assim, não é incorreto absolutamente definir-se o Direito Processual Eleitoral como o conjunto de “todas as normas de caráter adjetivo que informam a natureza jurídica e o desenvolvimento válido da relação entre as partes e o órgão do Judiciário Eleitoral”62, mas é preciso considerar que este é apenas um dos seus ramos dogmáticos, de caráter jurisdicional, devendo-se considerar, também, como Direito Processual Eleitoral, o conjunto normativo destinado a regular as eleições políticas estatais, sem ter necessariamente caráter jurisdicional.
Por outro lado, são as dificuldades criadas por essas concepções doutrinárias sobre o processo eleitoral estatal que levam os autores a uma situação de dúvida ou perplexidade quanto à utilização do termo processo eleitoral para designar o procedimento das eleições políticas e a restringirem o uso do termo Direito Processual Eleitoral à denominação do contencioso eleitoral:
“A doutrina do Direito Eleitoral emprega o termo processo para designar as fases de desenvolvimento das eleições, desde a preparação até a diplomação e posse dos candidatos eleitos, dada a falta de significante mais apropriado. No entanto, se se considerar que o processo pode ser definido como uma relação entre as partes e órgão judiciário ou como um procedimento realizado em contraditório daquelas, verifica-se sua aplicabilidade a apenas uma fase do ‘processo’ eleitoral, justamente a do seu contencioso. Como não é objetivo desta obra pretender superar a questão, utiliza-se aqui processo eleitoral para designar as fases supramencionadas, enquanto a fase contenciosa será denominada por direito processual eleitoral (...)”63.
Hoje em dia, a teoria geral do processo tem como certo que o processo “(é um) instrumento do exercício do poder” e que “não só a jurisdição se exerce através do processo, mas sempre o poder do Estado, ainda que em sede administrativa ou mesmo legislativa”64.
De tal maneira que se pode usar sem receio a designação processo eleitoral para o conjunto de atos eleitorais praticados fora do âmbito da jurisdição estatal.
Da mesma forma, a designação Direito Processual Eleitoral pode recair sobre o complexo dos atos eleitorais destinados à realização das eleições políticas não obstante a falta de escopo jurisdicional deste ramo do Direito Processual. Para Cândido Rangel Dinamarco, o Direito Processual “(é) um sistema de institutos, princípios e normas estruturadas para o exercício do poder segundo determinados objetivos”65. E, mais do que qualquer outro processo, o processo eleitoral estatal é um instrumento do exercício do poder político do Estado Democrático de Direito, tratando-se, nas palavras do Min. Sepúlveda Pertence, “(do) mais importante e relevante dos processos estatais da democracia representativa, o processo eleitoral, que assim o é ‘pela razão óbvia de que é ele a complexa disciplina normativa, nos Estados modernos, da dinâmica procedimental do exercício imediato da soberania popular, para a escolha de quem tomará, em nome do titular dessa soberania, as decisões políticas dela derivadas””66.
Por fim, o impasse das concepções doutrinárias sobre o processo eleitoral, em sentido estrito, e processo eleitoral, em sentido amplo, que não leva a resultados científicos práticos, é responsável também pela idéia de que não há no ordenamento jurídico brasileiro “um processo eleitoral para as questões extrapenais, (...), o que obriga o intérprete ou o aplicador da lei a adotar o Código de Processo Civil na maioria das questões processuais”:
“O Direito Eleitoral tem o seu Processo Penal próprio, não dependendo, na essência, do Processo Penal comum. Carece ele, porém, de um processo eleitoral, para questões extrapenais, sendo este um dos defeitos desse ordenamento jurídico. Salvo alguns procedimentos isolados, geralmente previstos em leis que vigem paralelamente ao Código Eleitoral – como a Lei Complementar nº 64, de 18.5.1990, onde se encontram ritos procedimentais -, não há um processo eleitoral previamente definido, comum ao funcionamento dos institutos eleitorais não-criminais, o que obriga o intérprete ou o aplicador da lei a adotar o Código de Processo Civil na maioria das questões processuais.”67
A construção do processo eleitoral jurisdicional é uma tarefa da doutrina, a partir das normas que o definem no ordenamento jurídico nacional, apesar da “inexistência de um Código de Processo Eleitoral”68 e do fato de que “as normas processuais estão inseridas na legislação que trata do direito material eleitoral”69, o que não se constitui em obstáculo ao atendimento deste imperativo próprio da dogmática jurídica.
A processualística eleitoral está em mora com os estudos do processo eleitoral, em suas diferentes variedades, tendo-se revelado insuficiente neste mister a abordagem doutrinária a partir da falta de univocidade da expressão processo eleitoral, do que resulta a duplicidade de sentido desta locução constitucional.
É preciso buscar no âmbito da teoria geral do processo a superação desses impasses doutrinários, com fim de emprestar-se ao processo eleitoral o enfoque científico que ele merece ter como uma das mais importantes modalidades de processo estatal, no conjunto do ordenamento jurídico brasileiro.
6. A Construção da Dogmática Jurídica do Processo Eleitoral
De qualquer sorte, a jurisprudência do STF, aproveitando-se das conquistas iniciais da doutrina eleitoral, tem desenvolvido, a partir da interpretação do art. 16 da CF, um significativo esforço na construção da dogmática jurídica do processo eleitoral, enquanto instrumento do exercício do poder da soberania popular, ou procedimento adotado para a realização de eleições políticas, que não tem caráter jurisdicional70.
É importante frisar, neste contexto, que, pelo voto do Min. Cezar Peluso, o STF inclui esta modalidade de processo eleitoral, não obstante a ausência de caráter jurisdicional, entre os institutos da teoria geral do processo, podendo ser conceituado, nessa linha, como “(a) seqüência de atos que se desdobram e decompõem as eleições, concebidas estas, em toda a sua consumação, como ato total ou fattispecie normativa a que tendem os atos prévios necessários à sua produção, e cuja observância constitui o único meio de garantir que os pleitos se realizem em plena conformidade com o teor da vontade popular fixado nas leis e segundo ditames de ética e justiça”71.
Já antes disso, pelo voto do Min. Celso de Mello, o STF, depois de apontar o processo eleitoral como procedimento das eleições políticas, apresenta a sua estrutura sequenciada, dividida em três fases, que se vinculam inteiramente entre si: “(a) fase pré-eleitoral (...), (b) fase eleitoral propriamente dita (...) e (c) fase pós-eleitoral”72, excluindo da sua estrutura o contencioso eleitoral, numa demonstração de que o processo eleitoral, consagrado no art. 16 da CF, trata-se de modalidade processual autônoma, com pressupostos próprios, que não se confunde com o processo eleitoral jurisdicional, destinado à resolução das lides eleitorais.
Por se tratar de uma fattispecie normativa, o processo eleitoral estatal, como procedimento de eleições políticas, está inteiramente disciplinado por “normas instrumentais diretamente ligadas às eleições”, numa observação do Min. Moreira Alves, trazida à tona em voto da Min. Ellen Gracie Northfeet, no STF73, com o que se pode falar em Direito Processual Eleitoral, em sentido próprio, como conjunto de normas disciplinadoras dos atos eleitorais praticados no contexto do procedimento de eleições políticas, ou, com as palavras do Min. Cezar Peluzo, “o conjunto de normas regentes da sequência de atos em que se desdobram e decompõem as eleições”74.
Esta compreensão do processo eleitoral pelo STF, sem apelar para a amplitude e a restrição do sentido da locução, e das conseqüências daí derivadas, autoriza a adoção dos critérios utilizados na atualidade pela teoria geral do processo para a identificação das várias modalidades processuais.
Assim, como a locução processo eleitoral pode ser utilizada para designar outros tipos de processo, além do processo jurisdicional75, como o faz a jurisprudência do STF, pode-se dizer que, em matéria eleitoral, “há processos estatais e não-estatais, conforme sirvam ao exercício do poder pelo Estado ou por outra entidade”, sendo que “os processos estatais são jurisdicionais ou não”76.
Os processos eleitorais estatais, que são de longe os mais importantes politicamente, podem ser jurisdicionais ou não.
Os processos eleitorais estatais jurisdicionais, ou, mais resumidamente, os processos eleitorais jurisdicionais podem ser constitucional (processo eleitoral constitucional), penal (processo eleitoral penal) e civil (processo eleitoral civil), que são instrumentos, respectivamente, da jurisdição eleitoral constitucional, da jurisdição eleitoral penal e da jurisdição eleitoral civil, ou não-penal, encontrando-se cada um destes processos eleitorais estatais regulado pelo Direito Processual Eleitoral Constitucional, Direito Processual Eleitoral Penal e Direito Processual Eleitoral Civil.
Os processos eleitorais estatais não jurisdicionais, ou, de modo mais sintético, os processos eleitorais não-jurisdicionais, podem ser divididos em processo eleitoral legislativo, ou, mais propriamente, processo legislativo eleitoral, disciplinado pelo Direito Processual Eleitoral Legislativo, aplicado pelo Poder Legislativo e pelo TSE na produção das normas eleitorais; processo eleitoral político, o complexo de atos eleitorais preordenados para a realização de eleições políticas, inteiramente submetido, como fattispecie normativa, à regulação do Direito Processual Político, definido como conjunto de normas regentes do procedimento das eleições políticas, e, por fim, o processo eleitoral administrativo, disciplinado pelo Direito Processual Eleitoral Administrativo, e destinado a operacionalizar as atividades administrativas diretamente ligadas à realização das eleições.
É escusado dizer que todos estes processos eleitorais estatais são processos eleitorais públicos, normatizados, no seu conjunto, pelo Direito Processual Eleitoral Estatal, que é, sem sombra de dúvida, Direito Processual Eleitoral Público.
Como os processos eleitorais podem ser estatais ou não-estatais, os processos eleitorais não-estatais, ou, mais diretamente, os processos eleitorais privados são utilizados no desempenho de suas atividades pelas entidades não-governamentais, ou, simplesmente, entidades privadas, como partidos políticos, sindicatos, associações, sociedades, fundações.
Daí as duas grandes modalidades de processos eleitorais privados, isto é, o processo eleitoral partidário, disciplinado pelo Direito Processual Eleitoral Partidário, para a prática de atos eleitorais partidários relativos não somente à escolha dos dirigentes das agremiações políticas, como, também, nos casos de filiação e desfiliação dos membros do partido; e, de outro lado, o processo eleitoral empresarial, associativo ou fundacional, ou, sinteticamente, o processo eleitoral empresarial, aplicado no âmbito dos entes privados sem função política, ou institucional, e que é regulado pelo Direito Processual Eleitoral Empresarial, Associativo ou Fundacional, ou, de modo mais genérico, Direito Processual Eleitoral Empresarial.
Todos estes ramos do Direito Processual Eleitoral Não-Estatal compõem o que se pode chamar mais diretamente de Direito Processual Eleitoral Privado, que tem suas normas assentes basicamente nos estatutos desses entes jurídicos de direito privado.
Com base nestas ideias, assim pode ser composto o quadro das diversas espécies de processos eleitorais, ponto de partida para a elaboração do quadro dos diversos Direitos Processuais Eleitorais, apresentado acima (v. n° 2, supra):
Processos Eleitorais
I. Processos Eleitorais Estatais:
1. Processos Eleitorais Jurisdicionais:
1.1 Processo Eleitoral Constitucional;
1.2 Processo Eleitoral Penal;
1.3 Processo Eleitoral Civil;
2. Processos Eleitorais Estatais Não-Jurisdicionais:
2.1 Processo Eleitoral Legislativo (ou Processo Legislativo Eleitoral);
2.2 Processo Eleitoral Político;
2.3 Processo Eleitoral Administrativo;
II. Processos Eleitorais Não-Estatais:
1. Processo Eleitoral Partidário;
2. Processo Eleitoral Empresarial, Associativo ou Fundacional.
Utilizando-se das palavras autorizadas de Cândido Rangel Dinamarco, pode-se dizer que “é natural, diante dessa complexa variedade de espécies, que haja diferenças mais ou menos sensíveis entre os processos e os seus fenômenos, com alguma tendência à desagregação metodológica”77, mas ainda assim, a vantagem de serem destacados a complexa variedade de espécies de processos eleitorais, e dos vários ramos do Direito Processual Eleitoral é muito maior do que a forte desagregação metodológica a que são submetidos, neste ponto, tanto o processo eleitoral como os respectivos ramos do Direito Processual Eleitoral.
Para ver um determinado aspecto de um dado cultural, é necessário, por vezes, proceder-se à desconstrução da unidade de categorias jurídicas como o processo eleitoral ou o direito processual eleitoral. E, não obstante o aparente lado desagregador de todo método desconstrutivista, a visão detalhada da realidade jurídica termina por facilitar a reconstrução mais consistente da unidade dos institutos jurídicos, como o processo eleitoral, ou de sistemas normativos, como o direito processual eleitoral.
7. A Unidade do Direito Processual Eleitoral
Apesar dessa multiplicidade de ramos do Direito Processual Eleitoral, em função mesmo da complexa variedade de processos eleitorais, que são regidos em sua autonomia por conjuntos normativos específicos, não se pode deixar de buscar, no âmbito da teoria do processo eleitoral, a unidade metodológica do Direito Processual Eleitoral.
A unidade (não a uniformidade) do Direito Processual Eleitoral deve ser construída a partir de polos metodológicos, dos quais o mais amplo dele, nesta matéria, é o poder político dos entes estatais e o poder social dos entes não-estatais.
O Direito Processual vem sendo compreendido, atualmente, como a disciplina do exercício do poder78, e o processo como “instrumento do exercício do poder, seja ou não jurisdicional”79.
O Direito Processual Eleitoral, por sua específica natureza política, pode ser compreendido, mais do que qualquer outro Direito Processual, como o conjunto de normas disciplinadoras do exercício do poder, quer seja o poder social das organizações privadas, quer seja, o poder político, das organizações estatais.
Cabe, então, à doutrina eleitoral, a partir deste polo metodológico, construir a unidade do Direito Processual Eleitoral, respeitando a diversidade dos seus respectivos ramos, em função dos diferentes tipos de processo eleitoral que cada um deles regula, para definir os seus institutos centrais, os seus objetivos, os seus princípios gerais.
Só depois deste trabalho de maturidade científica pode-se adotar um Código de Processo Eleitoral que sirva tanto aos protagonistas dos diversos processos eleitorais quanto à ciência processual eleitoral.
8. À Guisa de Conclusão
Não é admirar a complexa variedade de processos eleitorais e dos seus respectivos direitos processuais eleitorais.
Mais do que qualquer outro ramo do direito, o Direito Eleitoral está inteiramente processualizado, inclusive em suas pequenas particularidades, o que se justifica por se tratar de um direito político, indispensável às democracias, gerando, assim, esses vários instrumentos de ação, que são os processos eleitorais, com os seus respectivos microsistemas normativos, que são os diversos ramos do Direito Processual Eleitoral.
Não obstante essa diversidade de processos e direitos processuais eleitorais, não se pode perder de vista a unidade do Direito Processual Eleitoral, que, entretanto, deve ser construído pela doutrina eleitoral, com espírito científico e paciência beneditina, sem cair todavia no pecado da uniformidade, porquanto o Direito Processual Eleitoral, no Estado Democrático de Direito, é plural, por excelência.
Assim, resta ao estudioso do tema lançar mão da tecnologia jurídica conceitual, desenvolvida pela teoria geral do processo, e construir, a partir de um determinado polo metodológico, a teoria do Direito Processual Eleitoral, fugindo à tentação de uniformizar o que por si é tão diverso ou plural quanto as democracias.
BIBLIOGRAFIA
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Francisco Antônio Paes Landim Filho é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Brasília, Mestre e Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (a cujo programa de pós-graduação a Capes atribui Conceito 6). Exerceu a advocacia durante mais de três décadas. Atualmente, é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, além de Presidente da Comissão de Reforma do Regimento Interno daquela Corte. É Professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Faculdade Piauiense (FAP). É autor, dentre outros trabalhos jurídicos, dos livros “O Credor Aparente”, “O Mandado Civil sem Representação” e “A propriedade aparente – a aquisição a non domino da propriedade imóvel com eficácia translativa no Código Civil”. Recentemente, empreendeu visita de estudo à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo investigado naquela Faculdade, sob a orientação do Prof. Dr. António Pinto Monteiro (Professor Catedrático de Direito Civil e de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), na área da Teoria da Aparência Jurídica, no âmbito dos trabalhos de PÓS-DOUTORAMENTO. Para mais sobre o autor, consultar seu currículo na Plataforma Lattes, disponível no seguinte endereço da internet: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4760378H1.
1 V. Coêlho, Marcus Vinicius Furtado. Direito Eleitoral e Processo Eleitoral – Direito penal eleitoral e direito político. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 303: “O direito eleitoral processual objetiva estudar a matéria inerente à forma com que é exercida a jurisdição com vistas à organização das fases necessárias ao escrutínio popular que define os mandatários que, em nome do povo, irão exercer o democrático poder estatal, nas funções legislativa e executiva”.
2 V. Cândido, Joel J. Direito Penal Eleitoral & Processo Penal Eleitoral. Bauru – SP: EDIPRO, 2006, p. 539. “O Direito Eleitoral tem o seu Processo Penal Eleitoral próprio, não dependendo, na essência, do Processo Penal comum. Carece ele, porém, de um processo eleitoral para questões extrapenais, sendo este um dos defeitos desse ordenamento jurídico. Salvo alguns procedimentos isolados, geralmente previstos em leis que vigem paralelamente ao Código Eleitoral – como a Lei Complementar nº 64, de 18.5.90, onde se encontram alguns ritos procedimentais -, não há um processo eleitoral previamente definido, comum ao funcionamento dos institutos eleitorais não-criminais, o que obriga o intérprete ou o aplicador da lei a adotar o Código de Processo Civil na maioria das questões processuais”.
4 V. COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 259, 260 e 261, ao assinalar que “há inúmeras normas impondo ao juiz eleitoral o exercício da função administrativa” (p. 260), e que, nesse caso, “estará ele agindo na qualidade de administrador do processo eleitoral” (p. 261). “Dessarte, quando nomeia mesários, ou indica os locais para a instalação de sessões eleitorais, ou quando fiscaliza seus subordinados, exerce atividade meramente administrativa, como administrador do prélio eleitoral” (p. 260). Não obstante, “tem faltado à doutrina um critério claro para fazer a distinção entre as diversas formas assumidas pela atividade do juiz eleitoral” (p. 259), principalmente no tocante às distinções entre funções administrativas e as atividades próprias da jurisdição voluntária.
7V. tópico nº 6, infra – A Construção da Dogmática Jurídica do Processo Eleitoral –, de que consta o quadro das diversas espécies de processo eleitoral, que constituem ponto de partida para a elaboração do quadro dos diversos Direitos Processuais Eleitorais, ora esboçado.
8 V. Luhmann, Niklas. Legitimação pelo Procedimento, p. 18, apud. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 64, nota 2.
9 ADI 3.741-2/DF. “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.300/2006 (MINI-REFORMA ELEITORAL). ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA. MERO APERFEIÇOAMENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE PESQUISAS ELEITORAIS QUINZE DIAS ANTES DO PLEITO. INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO DIRETA.
I - Inocorrência de rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral.
II - Legislação que não introduz deformação de modo a afetar a normalidade das eleições.
III - Dispositivos que não constituem fator de perturbação do pleito. IV - Inexistência de alteração motivada por propósito casuístico.
V - Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei eleitoral. VI - Direto à informação livre e plural como valor indissociável da idéia de democracia. VII - Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei introduzido pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997.” (ADI 3741, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2006, DJ 23-02-2007 PP-00016 EMENT VOL-02265-01 PP-00171).
10 ADI 3.345/DF. “FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA - PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO - LEGITIMIDADE DA PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (QUE ATUOU NO TSE) NO JULGAMENTO DE AÇÃO DIRETA AJUIZADA CONTRA ATO EMANADO DAQUELA ALTA CORTE ELEITORAL - INAPLICABILIDADE, EM REGRA, DOS INSTITUTOS DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO AO PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO, RESSALVADA A POSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, POR QUALQUER MINISTRO DO STF, DE RAZÕES DE FORO ÍNTIMO. (...)- O processo eleitoral, que constitui sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes. Magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA e ANTONIO TITO COSTA)(...)” (ADI 3345/DF, Relator(a): Min. Celso de Melo, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/2005, DJ 20-08-2010 PP-154 EMENTA VOL-02411-01 PP-00110).
13 Art. 16 da CF. “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
14 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR N. 64/90 - INELEGIBILIDADES - CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 16) - PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL - PROCESSO ELEITORAL - FACES EM QUE SE DECOMPOE - LEGIMITIDADE ATIVA "AD CAUSAM" - ENTIDADE DE CLASSE - POSIÇÃO DO RELATOR - SENTIDO CONSTITUCIONAL DA EXPRESSAO AINDA NÃO DEFINIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SUSPENSÃO CAUTELAR INDEFERIDA.
- A NORMA INSCRITA NO ART. 16 DA CARTA FEDERAL, CONSUBSTANCIADORA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL, FOI ENUNCIADA PELO CONSTITUINTE COM O DECLARADO PROPOSITO DE IMPEDIR A DEFORMAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL MEDIANTE ALTERAÇÕES CASUISTICAMENTE NELE INTRODUZIDAS, APTAS A ROMPEREM A IGUALDADE DE PARTICIPAÇÃO DOS QUE NELE ATUEM COMO PROTAGONISTAS PRINCIPAIS: AS AGREMIAÇÕES PARTIDARIAS E OS PROPRIOS CANDIDATOS.
- A APLICAÇÃO DESSE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL ESTA A DEPENDER DA DEFINIÇÃO, A SER FEITA POR ESTA CORTE, DO SIGNIFICADO DA LOCUÇÃO "PROCESSO ELEITORAL", BEM ASSIM DO ALCANCE E CONTEUDO DE SUA NOÇÃO CONCEITUAL, DE QUE DERIVARAO OS EFEITOS DE ORDEM JURÍDICO-TEMPORAL CONDICIONANTES DA PRÓPRIA VIGÊNCIA, EFICÁCIA E APLICABILIDADE DA LEI IMPUGNADA.
- REMETE-SE A PRELIMINAR DE MÉRITO A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORA, IDENTIFICADA COMO "ENTIDADE DE CLASSE," TENDO EM VISTA QUE O CONCEITO QUE A EXPRESSAO ENCERRA NÃO SE ENCONTRA EFETIVAMENTE DEFINIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTE: ADIN 49-DF.
- É DE INDEFERIR A MEDIDA LIMINAR QUANDO JA EXAURIDOS OS EFEITOS POSSIVEIS NA NORMA IMPUGNADA, NÃO HAVENDO MAIS QUE COGITAR DO "PERICULUM IN MORA". (ADI 353 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 05/09/1990, DJ 12-02-1993 PP-01450 EMENT VOL-01691-01 PP-00005)
15 V., por todos, Coêlho, Marcus Vinicius Furtado, op. cit., p. 303/304, ao escrever que “processo eleitoral em sentido lato são as fases organizativas, tais como registro de candidatos, campanha eleitoral, votação, apuração e diplomação. Processo eleitoral em sentido estrito é o chamamento da justiça eleitoral para resolver os conflitos inerentes às eleições”.
16 Art. 32 da Resolução nº 19.406/95, do TSE: “O estatuto do partido deverá conter, entre outras, normas sobre: I – (...); II – (...); III – (...); IV - modo como se organiza e administra, com a definição de sua estrutura geral e identificação, composição e competência dos órgãos partidários nos níveis municipal, estadual e nacional, duração dos mandatos e processo de eleição dos seus membros; V - fidelidade e disciplina partidárias, processo para apuração das infrações e aplicação das penalidades, assegurado amplo direito de defesa; VI - condições e forma de escolha de seus candidatos a cargos e funções eletivas; VII - finanças e contabilidade, inclusive, normas que os habilitem a apurar as quantias que os seus candidatos possam despender com a própria eleição, que fixem os limites das contribuições dos filiados e definam as diversas fontes de receita do partido, além daquelas previstas nestas instruções; VIII - critérios de distribuição dos recursos do Fundo Partidário entre os órgãos de nível municipal, estadual e nacional que compõem o partido; IX- procedimento de reforma do programa e do estatuto (Lei nº 9.096/95, art. 15, I a IX).
17 Art. 44, V, do Código Civil. “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: (...) V - os partidos políticos”.
18 Lei 9.096/95. Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.
19 Art. 59, Parágrafo Único, do Código Civil. “Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral: (...)
Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores”.
20 Art. 21, V, da Lei nº 5.764/71. “Art. 21. O estatuto da cooperativa, além de atender ao disposto no artigo 4º, deverá indicar: (...) V - o modo de administração e fiscalização, estabelecendo os respectivos órgãos, com definição de suas atribuições, poderes e funcionamento, a representação ativa e passiva da sociedade em juízo ou fora dele, o prazo do mandato, bem como o processo de substituição dos administradores e conselheiros fiscais;”
21 Art. 47 e § 2º da Lei 5.764/71. “Art. 47. A sociedade será administrada por uma Diretoria ou Conselho de Administração, composto exclusivamente de associados eleitos pela Assembléia Geral, com mandato nunca superior a 4 (quatro) anos, sendo obrigatória a renovação de, no mínimo, 1/3 (um terço) do Conselho de Administração. (...)
§ 2° A posse dos administradores e conselheiros fiscais das cooperativas de crédito e das agrícolas mistas com seção de crédito e habitacionais fica sujeita à prévia homologação dos respectivos órgãos normativos”.
22 Lei nº 6.404/76, “Art. 18. O estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração.”
23 V. ABRÃO, Carlos Eduardo Siqueira, in COSTA MACHADO, Antônio Cláudio (org.) e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha (coord.). Constituição Federal Interpretada. Barueri – SP: Manole, 2010, p. 114, ao escrever que “o processo eleitoral é o conjunto de regras que dispõe sobre as eleições”.
25 V. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 64, nº 7.
26 V. Instituzioni di diritto processuale, § 3 °, p. 9, apud DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p. 63, nº 7, nota 1.
27 V. op. cit., 2001, p. 66, nº 7, chegando a anotar que “existem ainda formas menos perceptíveis de processos e decisões, no seio de entidades não estruturadas explicitamente em face do direito, como a família e as favelas” (Idem, ibidem, p. 63, nº 7, nota 1).
28 Art. 16 da CF. “Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
29 STF, ADI 3.741-2/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, que cita, no ponto, o Min. Néri da Silveira – “O Ministro Néri da Silveira, atento à problemática, ao pronunciar-se sobre o tema em trabalho acadêmico, bem observou que existe ‘uma relação de implicação entre democracia e processo eleitoral’, sublinhando que o fim último consiste exatamente em permitir que se revele ‘a verdade eleitoral’” (p.191). (ADI 3741, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2006, DJ 23-02-2007 PP-00016 EMENT VOL-02265-01 PP-00171).
30 V. GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 191, ao anotar que “no Direito Eleitoral, o termo ‘processo’ assume duplo sentido: um amplo, outro restrito’’.
31 V. op. cit., 2010, p. 191 e 192, ao escrever que, “em sentido amplo, (o processo eleitoral) significa a complexa relação que se instaura entre candidatos, partidos políticos, coligações, Justiça Eleitoral, Ministério Público e cidadãos com vistas à concretização do sacrossanto direito de sufrágio e escolha dos ocupantes dos cargos públicos-eletivos em disputa. O procedimento, aqui, reflete o intrincado caminho que se percorre para a realização das eleições, desde a realização das convenções pelas agremiações políticas até a diplomação dos eleitos. Em geral, quando se fala em processo eleitoral, é a este sentido que se quer aludir.”. E, noutra parte, volta a dizer que “o início do processo eleitoral – em sentido amplo – coincide com as convenções partidárias para a escolha de candidatos e deliberações sobre coligação. Concluída a convenção, já se pode pleitear o registro de candidaturas. Assim, seu marco inicial pode ser fixado no dia 10 de junho do ano das eleições. A partir daí é que efetivamente começa a marcha rumo ao pleito”.
32 V. BARROS, Francisco Dirceu. Direito Processual Eleitoral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 34/35, nºs 6 e 6.1, quando escreve: “A relação processual eleitoral é sempre de Direito Público. Nela se encontra a presença dos seguintes sujeitos da dita relação processual eleitoral: a) o cidadão brasileiro, sujeito de direitos políticos; b) o partido político; c) o pré-candidato; d) o candidato a eleição; e) o candidato eleito; f) o juiz eleitoral ou tribunal (TRE ou TSE); g) o Ministério Público Eleitoral”. E, mais adiante: “A relação processual eleitoral gera direitos e obrigações. Os direitos processuais eleitorais são os seguintes: a) direito de ação, exercido pelo sujeito ativo; b) direito de defesa, exercido pelo sujeito passivo”.
33 V. COSTA, Tito. Recursos em Matéria Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 29, nº 1.4, nota 12 e p. 117, nº 7.2, onde se lê, respectivamente: “Dá-se, também, genericamente, a denominação de processo eleitoral a todo complexo de atos relativos à realização de eleições, atos esses que vão desde a escolha de candidatos, em convenções partidárias, até sua eleição e diplomação. Durante toda essa trajetória de atos, ficam eles sob a tutela da justiça eleitoral, que tem sua competência exaurida com a diplomação dos candidatos. (...)”. E, em outra parte, lê-se ainda no mesmo autor, que “embora a diplomação não se configure um ato judicial propriamente dito, revestindo-se mais de feições de um ato administrativo, ele é o ponto culminante de todo um sucessivo complexo de atos administrativo-judiciais relativos ao procedimento eleitoral como um todo, que vai desde a escolha dos candidatos em convenção partidária, até sua eleição, proclamação e diplomação.”.
35 V. STF. ADI 3.741-2/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ. 23.02.2007, p. 191/192, onde se lê: “o processo eleitoral, com efeito, numa democracia, deriva sua legitimidade de um conjunto de procedimentos, aperfeiçoados de tempos em tempos, que se destinam a evitar, o tanto quanto possível, a ocorrência de deformações e desequilíbrios, conferindo a mais ampla credibilidade ao seu resultado final.”
36 V. Coêlho, Marcus Vinicius Furtado, op. cit., 2008, p. 303, onde se lê: “O direito eleitoral processual objetiva estudar a matéria inerente à forma com que é exercida a jurisdição com vistas à organização das fases necessárias ao escrutínio popular que define os mandatários que, em nome do povo, irão exercer o democrático poder estatal, nas funções legislativa e executiva. É o ramo do direito que mais proximamente contribui para a prevalência de uma autêntica democracia. Cuida-se não apenas da resolução dos litígios decorrentes das eleições, como também das diversas fases para sua organização.”
37 V. Nota imediatamente anterior a esta.
38 V. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Coordenação de Marina Baird Ferreira e Margarida dos Anjos. 4ª ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2009, p. 126, verbete “amplo”, onde se lê: “8. Sem restrições; ilimitado;”, e p. 38, verbete estrito, onde se lê: “1. rigoroso, exato; 2. (...); preciso, restrito”.
39 V., por todos, DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 25/26, nº 1.
40 V. VELLOSO, Carlos Mário da Silva; e AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 247.
41 V. SANTANA, Jair Eduardo; GUIMARÃES, Fábio Luís. Direito Eleitoral – Para compreender a dinâmica do Poder Político. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006, p. 199, nº 25.1.
43 V. op. cit.; 2004, p. 30, onde se lê: “o objeto dessa relação processual será sempre ligado à organização e ao exercício de direitos políticos, na sua expressão mais ampla, incluindo-se precipuamente o direito de votar e ser votado”.
44 V. op. cit.; 2004, p. 29, onde se lê: “o processo eleitoral, como é óbvio, é o veículo pelo qual se estabelece e se exercita a relação processual no âmbito do Direito Eleitoral.”.
45 V. COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado, op. cit., 2008, p. 305, ao escrever que “o Processo Eleitoral não abrange disputas partidárias. As disputas partidárias, em princípio, não são matérias eleitorais (...). Contudo, o partido político é pessoa jurídica de direito privado e os conflitos intrapartidário e entre partidos são matérias do direito comum. Na hipótese de um partido expulsar ou desfiliar alguém de seus quadros ou efetuar uma intervenção sobre determinado diretório partidário, destituindo-o e compondo Comissão Provisória, ter-se-ia uma matéria da justiça comum, estranha ao processo eleitoral. Evidenciando que a matéria intrapartidária não se inclui na competência da justiça eleitoral. Isso porque na disputa partidária não se discute a eleição de representante popular para os poderes executivos e legislativos. Debate-se sobre quem ocupará os cargos de direção do partido, sobre a existência ou não de um diretório, sobre a legitimidade de uma deliberação, enfim temas que não possuem interferência, ainda que reflexa, nas eleições”.
46 V. COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado, op cit., 2008, p. 306, onde se lê que “as eleições para os cargos de direção do Poder Judiciário (...), não são matérias afeitas ao processo eleitoral” e que “são regulamentadas pelos seus Regimentos Internos” sendo que “o direito eleitoral informa apenas subsidiariamente tais eleições”.
47 V. op. cit., 2008, p. 306, onde se lê “o exercício do mandato também não é matéria abrangida pelo processo eleitoral. (...) Esta cuida do acesso aos mandatos pela via das eleições, não versando sobre como tal mandato é exercido. A justiça eleitoral apenas intervém no exercício do mandato quando julga ação decorrente das eleições”.
50 V. op. cit., p. 123, nº 5.5, onde o autor apresenta a estrutura do processo eleitoral estricto sensu: “Processo Eleitoral Stricto Sensu: 1ª Fase: Preparatória: - 1º Momento: Convenções Partidárias; - 2º Momento: Registro dos Candidatos; - 3º Momento: Propaganda Eleitoral; 4º Momento: Medidas Preliminares à Votação e Apuração; 2ª Fase: Votação; 3ª Fase: Apuração; 4ª Fase: Diplomação. Após a implementação do voto eletrônico, já se pode falar em três fases do processo eleitoral, e não mais em quatro, a saber: Preparatória, Votação/Totalização e Diplomação.
53 V. op. cit., 2010, p. 191/192, ao escrever que “já, em sentido estrito, a expressão ‘processo eleitoral’ apresenta o mesmo significado inicialmente referido (isto é, de ‘instrumento de exercício do poder jurisdicional’). Nesse sentido, é, individualizado, veiculando pedido específico entre partes bem definidas. A ele se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil. Ora se apresenta em sua feição clássica, em que se divisa uma relação triangular, da qual participam autor, juiz e réu; é isso o que ocorre em ações como impugnação de mandato eletivo, investigação judicial eleitoral, captação ilícita de sufrágio ou conduta vedada. Ora se apresenta na forma de relação linear, integrada por um requerente e pelo órgão judicial, tal qual ocorre no pedido de registro de candidatura.”.
59 V. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 234.