quarta-feira, 6 de julho de 2011

Direito Processual Eleitoral Público ou O Devido Processo Eleitoral Substantivo e o seu Controle pelos Sujeitos Políticos do Processo Eleitoral como Polos Metodológicos de Sistematização de uma Teoria Geral do Processo Eleitoral



Palestra proferida no TRE-PI, em 28.06.11,
por ocasião do lançamento da
Revista Eleições & Cidadania,
Ano 2, nº 2, jan./dez. 2010.

Francisco Landim*


Verificada a existência de vários direitos processuais eleitorais – Direito Processual Eleitoral Constitucional; Direito Processual Eleitoral Penal; Direito Processual Eleitoral Civil; Direito Processual Eleitoral Legislativo; Direito Processual Eleitoral Político; Direito Processual Eleitoral Administrativo; Direito Processual Eleitoral Partidário; Direito Processual Eleitoral Empresarial, Associativo ou Fundacional – que agrupei em duas grandes categorias – Direito Processual Eleitoral Estatal e Direito Processual Eleitoral Não-Estatal1 (Conf. aqui), proponho-me a desenvolver, agora, em suas linhas gerais, a temática do Direito Processual Eleitoral Estatal, ou, mais apropriadamente, Direito Processual Eleitoral Público, que existe de par com o Direito Processual Eleitoral Privado, ou Não-Estatal, os quais se complementam, mutuamente, ao invés de se contraporem, na variada enciclopédia jurídica do Direito Processual Eleitoral.

Em diversas áreas do conhecimento jurídico, faz-se, hoje em dia, uma releitura da summa divisio público-privado, de cujo binômio resulta, em sede de teoria geral do processo, na tradicional dicotomia entre Direito Processual Civil e Direito Processual Penal, compreendendo-se na disciplina jurídica do Direito Processual Civil todos os processos jurisdicionais que não têm por objeto a lide penal2.

Desta abrangência formidável do Direito Processual Civil não escapa sequer o processo eleitoral, ao qual se aplicará, como lei supletiva ou subsidiária, o Código de Processo Civil.

A dicotomia Direito Processual Civil e Direito Processual Penal deixa de lado, porém, importantes ramos do Direito Processual Estatal – como o Direito Processual Constitucional, o Direito Processual Legislativo, o Direito Processual Administrativo, o Direito Processual Político, além de não dar um lugar ao sol às modalidades de Direito Processual Privado, que ganham importância diante da pluralidade dos ordenamentos jurídicos, como decorrência do que o Estado não é o único produtor de normas jurídicas3.

É preciso, assim, revisitar o binômio público-privado, para, tomando o público como estatal, e o privado como não-estatal, situar no contexto histórico desta locução os novos ramos do Direito Processual, que vão desde os Direitos Processuais Públicos, que são estatais, até os Direitos Processuais Privados, que são não-estatais4.

Com esta abertura perspectivadora da summa divisio público-privado, pode-se falar em Direito Processual Eleitoral Público, e em Direito Processual Eleitoral Privado, e, assim, deixar de lado designações outras, como Direito Processual Eleitoral lato sensu e Direito Processual Eleitoral stricto sensu, que, muito embora correntias na doutrina dominante, e até mesmo na jurisprudência eleitoral, não condizem com o status científico a que aspira a ciência processual eleitoral.

O Direito Processual Eleitoral Público não pode ser compreendido como um conjunto normativo de regras processuais, disciplinadoras do processo eleitoral estatal, como parece induzir no espírito do ouvinte a sua própria nomenclatura.

Em outras palavras, o Direito Processual Eleitoral Público não é um ramo do Direito Processual Eleitoral, mas é um método5 de sistematização do Direito Processual Eleitoral, que, método de estudo, pesquisa ou trabalho, tem por escopo, na vastidão do ordenamento jurídico, descobrir os ramos e sub-ramos do Direito Processual Eleitoral, identificar-lhes as normas e os seus institutos jurídicos centrais, formular-lhes os princípios, construir-lhes a unidade político-jurídica, e, com este espírito, dar azo ao aparecimento de uma teoria geral do processo eleitoral, que ainda se encontra, doutrinariamente, em fase embrionária, ou pré-embrionária, porquanto tem corpo material, mas precisa de alma, tomada como símbolo de unidade teórica sistematizada.

Como instrumento de trabalho, o Direito Processual Eleitoral Público permite reunir-se, num conjunto relativamente harmônico, os ramos do Direito Processual Eleitoral, quer no âmbito jurisdicional, ou não-jurisdicional.

Assim, são Direitos Processuais Eleitorais Públicos, de caráter jurisdicional, o Direito Processual Eleitoral Constitucional; o Direito Processual Eleitoral Penal e o Direito Processual Eleitoral Civil. E são também Direitos Processuais Públicos, de caráter não-jurisdicional, o Direito Processual Eleitoral Legislativo; o Direito Processual Eleitoral Político e o Direito Processual Eleitoral Administrativo.

É claro que cada um destes ramos do Direito Processual Eleitoral tem normas próprias; tem a sua própria dogmática jurídica, no campo da interpretação e da aplicação do direito; enfim, cada um deles tem a sua própria ciência processual, mais ou menos desenvolvida, ou, ainda, incipiente.

No variado contexto normativo dos diversos ramos do Direito Processual Eleitoral, assim como em meio às diferentes cogitações doutrinárias da dogmática jurídica de cada uma dessas disciplinas, o Direito Processual Eleitoral Público busca identificar, dentre outras preocupações, o instituto central comum a todos esses ramos do Direito Processual Eleitoral, e que lhes sirva, por assim dizer, de polo metodológico ou ponto de convergência que reúna em torno de si Direitos Processuais Eleitorais aparentemente tão díspares, porquanto uns são de natureza jurisdicional, enquanto outros são de natureza não-jurisdicional.
Qual é, pois, o polo metodológico6 dos ramos do Direito Processual Eleitoral, reunidos na grande categoria dos Direitos Processuais Eleitorais Públicos?

A resposta parece óbvia – o processo eleitoral, ou, ainda, mais especificamente – o processo eleitoral estatal, que é o objeto da disciplina jurídica de todos esses conjuntos normativos, que regulam o exercício do poder estatal em matéria de eleições políticas.

Isso, porém, não é uma grande novidade epistemológica, porque, enfim, “o processo (estatal) é o modo de agir do Estado Democrático de Direito7, quer no âmbito eleitoral, quer fora dele, podendo-se, assim, afirmar que direitos processuais não eleitorais, desde que tenham caráter público, podem ter no processo estatal os seus respectivos pontos de união metodológica, como, por exemplo, os direitos processuais civil, penal e trabalhista.

O que serve, contudo, de traço de união entre esses diferentes Direitos Processuais Eleitorais Públicos é o devido processo eleitoral8, na sua dimensão substantiva ou material.
Isto é, o polo metodológico dos Direitos Processuais Eleitorais Públicos não é simplesmente o processo eleitoral, como instrumento do poder estatal, mas é o modo de ser substantivo do processo eleitoral pela finalidade política, jurídica e ética a que se destina no Estado Democrático de Direito9.

Não constitui nenhuma novidade doutrinária a assertiva de que o devido processo legal tem duas dimensões – a dimensão processual e a dimensão substantiva.

Na dimensão processual, ninguém pode ser expropriado de seus bens, [nem destituído das posições jurídicas que titulariza], inclusive os mandatos políticos, sem o devido processo legal10, o que é uma garantia de todos os processos estatais ou não estatais, eleitorais ou não.

Por aí se vê que, na dimensão processual, o devido processo eleitoral, por não ser específico do Direito Processual Eleitoral, não pode servir de polo metodológico aos Direitos Processuais Eleitorais Públicos, porque reúne em torno de si, para além destes, todas as demais modalidades de Direitos Processuais, eleitorais ou não-eleitorais.

O que é específico, próprio dos Direitos Processuais Eleitorais Públicos, de caráter jurisdicional ou não, é o devido processo eleitoral substantivo, pois, enquanto no devido processo legal, visto na sua dimensão processual, tem-se uma garantia de proteção dos direitos, sejam eles individuais ou coletivos, no devido processo eleitoral substantivo tem-se uma garantia de proteção ou de preservação do Estado Democrático de Direito.

Em outras palavras, enquanto o devido processo legal, como cláusula processual, é uma garantia de pessoas ou grupos sociais que contendem nos processos, o devido processo eleitoral substantivo é uma garantia da cidadania, ou da sociedade civil, que tem interesse político direto na manutenção da ordem democrática, consagrada na Constituição Federal11.

Não se ignora que o devido processo substantivo é uma cláusula constitucional de refreamento do Estado12, ou “o princípio de garantia da liberdade em geral contra as arbitrariedades do Estado13.

No Direito Processual Eleitoral Público, o devido processo substantivo, expresso, de modo particular, como devido processo eleitoral substantivo, ganha uma feição própria, pois já não se trata, aqui, de cláusula ou princípio de refreamento contra as arbitrariedades do Estado, mas de garantia constitucional que visa assegurar a lisura dos pleitos políticos e a legitimidade dos mandatos populares.
O devido processo eleitoral substantivo, como cláusula constitucional, está consagrado pelo art. 14, § 9º, da CF, ao estabelecer que cabe à lei “proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”.

É como se o intérprete lesse neste dispositivo constitucional que cabe ao devido processo eleitoral substantivo, disciplinado pelos diferentes Direitos Processuais Eleitorais Públicos, proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública, e a moralidade para o exercício do mandato, consideradas a probidade administrativa e a vida pregressa do candidato.

Enfim, cabe ao devido processo eleitoral substantivo, como cláusula constitucional de magna importância político-constitucional, promover a democracia-substantivo14, que se vê postergada todas as vezes que os pleitos eleitorais não realizam os imperativos do art. 14, § 9º, da CF – a normalidade e a legitimidade das eleições, das quais resultam a moralidade para o exercício do mandato e a probidade político-administrativa dos seus titulares.

O devido processo eleitoral substantivo, à luz do art. 14 da CF, é um imperativo da soberania popular, que se auto-limita, impondo condições ao seu exercício, ou seja, i) o sufrágio universal; ii) o sufrágio igualitário: a) igualdade no valor dos votos; b) igualdade de força eleitoral; c) igualdade de oportunidades; d) igualdade e paridade de sexos na disputa pelos mandatos políticos; iii) sufrágio livre: a) liberdade na formação da vontade política do eleitor; b) liberdade na expressão da vontade política contra toda espécie de fraude eleitoral; iv) sufrágio direto; v) sufrágio secreto15 e vi) sufrágio legal:

- “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, (...) nos termos da lei, (...)”.

Enfim, há uma relação direta entre o devido processo eleitoral substantivo e a soberania popular, sem a qual nem há democracia, nem haverá devido processo eleitoral. Nesta relação, o devido processo eleitoral substantivo funciona como um auto-limite da própria soberania popular.

Nestas circunstâncias, o devido processo eleitoral substantivo é o veículo por meio do qual a soberania popular será exercida, nos termos da lei, isto é, das diferentes disciplinas dos Direitos Processuais Eleitorais Públicos, que, em última análise, regulam o exercício da soberania popular, por meio do devido processo eleitoral substantivo, com o fim de promover a democracia-substantivo no contexto do Estado Democrático de Direito, por meio da normalidade e legitimidade das eleições e a moralidade para o exercício dos mandatos políticos.

Com esta complexidade estrutural, o devido processo eleitoral substantivo, no âmbito dos Direitos Processuais Eleitorais Públicos, é objeto do controle estatal, quer legislativo, quer judicial, ou de controle social, por parte do Ministério Público, de eleitores, de candidatos, partidos políticos, coligações partidárias, ou mesmo de associações ou sindicatos16, que são os sujeitos políticos do devido processo legal substantivo, cabendo-lhes dar operatividade e efetividade, consoante as regras de cada um dos Direitos Processuais Eleitorais Públicos.

O Poder Legislativo controla o devido processo eleitoral substantivo quando edita normas eleitorais, na forma do Direito Processual Legislativo, visando à regulação do procedimento eleitoral.

O Poder Judiciário controla o devido processo eleitoral substantivo quando pratica os atos preparatórios das eleições políticas, em obediência às normas do Direito Processual Eleitoral Administrativo, ou, por outra, quando registra candidatos, realiza eleições, proclama os seus resultados e diploma os eleitos, dentro das regras do Direito Processual Político. E ainda quando resolve sobre a constitucionalidade das normas eleitorais ou a sua aplicação aos pleitos eleitorais, dentro do que determinam as regras do Direito Processual Eleitoral Constitucional. E, por fim, quando decide sobre as impugnações aos procedimentos eleitorais, por inobservância ao devido processo eleitoral, na linha do Direito Processual Eleitoral Civil, ou processa e julga crimes eleitorais decorrentes também dessa violação, consoante o disposto no Direito Processual Eleitoral Penal.

O Ministério Público controla o devido processo eleitoral substantivo ao fiscalizar as eleições ou ao propor em juízo as ações eleitorais que se situam no âmbito de sua legitimidade institucional, o mesmo acontecendo com candidatos, partidos políticos, coligações partidárias, quando legitimados politicamente para essas demandas eleitorais.

Os eleitores participam do controle do devido processo eleitoral substantivo não somente quando fiscalizam os pleitos, mas também quando têm a iniciativa popular de leis eleitorais, como, v. g., a Lei da Ficha Limpa17.

As associações de classe poderão também participar do controle do devido processo eleitoral substantivo pela delação de crimes e fraudes eleitorais perante as autoridades constituídas para as providências legais, já que não possuem legitimidade para as ações eleitorais18, mas como “a lisura do processo eleitoral é um bem jurídico constitucional (…) que diz respeito, indistintamente, a todos os sujeitos constitucionais”, nas palavras que são de Rodolfo Viana Pereira, é claro que as associações civis estão habilitadas ao exercício deste controle, ainda que extrajudicial.

Vê-se, assim, que o devido processo eleitoral substantivo é o ponto de convergência, ou, pelo menos, é um do pontos de convergência dos vários Direitos Processuais que compõem o que se convencionou chamar de Direito Processual Eleitoral Público. Esta questão, que está, por assim dizer, ao centro destes vários ramos do Direito Processual Eleitoral, servindo-lhes, portanto, de polo metodológico, desdobrando-se em várias outras problematizações como esta do controle político, pelo Poder Legislativo, do controle jurisdicional, pelo Poder Judiciário, e do controle social, pelo Ministério Público, associações civis, eleitores, partidos políticos e coligações, além do tema dos sujeitos políticos deste controle. E isso sem se falar no ponto, que é extenso e controvertido, do processo eleitoral estatal, pressuposto do devido processo eleitoral substantivo, compreendido como uma forma de ser do processo eleitoral estatal.

Estou certo de que questões deste porte justificam a existência de um Direito Processual Eleitoral Público, senão como ramo ou sub-ramo do Direito Processual Eleitoral, ao menos como método de sistematização metodológica dos diversos Direitos Processuais Eleitorais Públicos, com vistas à construção de uma teoria geral do direito processual eleitoral.

Parabenizo o Presidente do TRE, o em. Des. Raimundo Eufrásio Alves Filho, e creio que estou falando por todos os articulistas desta primorosa Revista, e, na sua pessoa, todo este Eg. Tribunal, pela iniciativa de lançamento de mais este número da importante Revista Eleições & Cidadania, e, sobretudo, pelo espaço aberto aos debates públicos de questões polêmicas de Direito Processual Eleitoral.

Em tempos de impermanência e mudanças, dirigentes públicos da estirpe do Des. Raimundo Eufrásio Alves Filho, abertos ao debate democrático das idéias, podem ser considerados na atualidade como verdadeiros mecenas do conhecimento humano, na medida em que favorecem, entusiasticamente, reflexões sobre a antiga e sempre nova ciência do direito.
*Palestra proferida no TRE-PI, em 28.06.11, por ocasião do lançamento da Revista Eleições & Cidadania, Ano 2, nº 2, jan./dez. 2010.
*Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre e Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.
1Francisco Landim, Direito Processual Eleitoral ou Direitos Processuais Eleitorais? - As leituras críticas da locução processo eleitoral, p. 11. Revista Eleições & Cidadania, Ano 2, nº 2, jan./dez. 2010, pp. 11-39. Teresina: Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Também disponível em sítio da rede mundial de computadores, no endereço seguinte: www.tre-pi.gov.br. (Conf. aqui).
2Fernando Gama de Miranda Netto, Ônus da Prova no Direito Processual Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 30, nº 1.25, onde se lê: “contudo, do ponto de vista histórico, a summa divisio processual limitou-se à contraposição do processo civil ao processo penal. Com efeito, a tradição conferiu ao Direito Processual Civil uma abrangência formidável, erigindo-o como ciência jurídica capaz de estudar todos os processos judiciais que não envolvam matéria penal. (...)”.
3V., por todos, Miguel Reale, Teoria do Direito e do Estado. 3ª ed. Belo Horizonte: Martins, 1970, pp. 307-309, nºs 18 e 21.
4V. nº 2, p. 30.
5Esta ideia de Direito Processual Público, como método de estudo, é desenvolvida por Cassio Scarpinella Bueno, ao afirmar, textualmente, “que não se trata propriamente de uma disciplina diversa do direito processual civil, e, menos ainda de um distinto ramo do direito processual civil.”. “Por direito processual público deve ser entendido nada mais e nada menos do que o estudo consciente das leis e situações em que uma das partes do processo ou, mais amplamente, um dos seus sujeitos, é pessoa ou entidade de direito público ou, quando menos sujeito em maior escala a um regime de direito público.” (V. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. II, Tomo III. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25, nº 1). Não obstante, em oportunidade anterior, o citado processualista chegou a defender a ideia da autonomia didática do Direito Processual Público, ao escrever que “não há dúvidas quanto à autonomia didática do que denominamos processo civil público, entendido este termo como processo que busca a resolução de conflitos originários do direito material público.”. E, nesta oportunidade, o festejado doutrinador aduziu, ainda, que “há pelo menos três sub-ramos do direito processual público: o processo constitucional; o processo tributário e o processo administrativo.” (V. A Emergência do Direito Processual Público, in: Direito Processual Público: A Fazenda Pública em Juízo, Coord. Carlos Ari Sundfeld e Cassio Scarpinella Bueno. 1ª ed., 2ª tiragem. Sâo Paulo: Malheiros, 2003, p. 43).
De modo mais incisivo, Fernando Gama de Miranda Netto reconhece que o Direito Processual Público “abrange um número extraordinário de causas perante o Poder Judiciário, isto é, causas de natureza constitucional, administrativa, tributária, previdenciária, ambiental, etc.”, o que nos permite acrescer dentre tantas as causas de natureza eleitoral, e conclui o autorizado monografista: “o Direito Processual é ramo do Direito Público, mas, aquele ainda, comporta sub-ramos: o Direito Processual Privado, Direito Processual Civil, Direito Processual do Trabalho, Direito Processual Empresarial, e, também, o Direito Processual Público (Direito Processual Constitucional, Direito Processual Administrativo, Direito Processual Previdenciário, etc.)”, no rol dos quais também se encontra o Direito Processual Eleitoral, como direito processual público. (V. ob. e loc. cit.).
Estas ideias orientam o estudo do Direito Processual Eleitoral Público, mas não podem ser transportadas pura e simplesmente para o âmbito da teoria geral do processo eleitoral, dado a especificidade que assumem esses estudos no contexto do Direito Processual Eleitoral.
6O Prof. Cândido Rangel Dinamarco defende a ideia de uma visão metodológica unitária da teoria geral do processo com “a jurisdição ao centro”, ou com “a preponderância metodológica da jurisdição” (V. A Instrumentalidade do Processo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 77, 78 e 81, nº 9).
7V. Sundfeld, Fundamentos de Direito Público, p. 91.
8Ao defender de modo convincente “uma concepção alargada de direito de ação em matéria eleitoral”, de tal modo a incluir as associações civis na lista dos legitimados a impugnar as operações eleitorais, particularmente “na etapa do pós-escrutínio”, Rodolfo Viana Pereira argumenta, para justificar a sua tese, o direito ao devido processo eleitoral, ou o direito à adequada formação do princípio representativo, que, no fundo, e ainda com suas palavras, é o direito à verdade eleitoral, o direito à lisura do processo eleitoral, o que termina por emprestar um caráter material ou substantivo ao devido processo eleitoral. (V. Tutela Coletiva no Direito Eleitoral – Controle Social e Fiscalização das Eleições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 121 e 125).
9O devido processo eleitoral é uma espécie de procedimento legal, mas, como devido processo legal, tem pelo menos uma nota distintiva, que é o seu caráter político: E, não obstante todo processo deva ser concebido como instrumento ético, importa sublinhar que a eticidade do devido processo eleitoral assume aspectos particulares, já que está interessado em revelar não somente a verdade eleitoral histórica, mas em assegurar também que a verdade eleitoral, além de histórica, seja lisa, limpa e sincera.
Assim, o devido processo eleitoral é jurídico, dado a sua legalidade, mas é, também, político e particularmente ético, o que o distingue, em princípio, das demais modalidades de devido processo legal.
10Art. 5º, LIV, da CF: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”.
11Por isso é que o direito ao devido processo eleitoral, compreendido por Rodolfo Viana Pereira como “o direito à verdade eleitoral, o direito à lisura do processo eleitoral, o direito à adequada formação do princípio representativo, é de caráter supra-individual (…).” (V. ob. cit., p. 129 - grifei).
12S. Tavares Pereira, Devido Processo Substantivo, p. 143.
13Sérgio Luiz Wetzel Mattos, Devido Processo Legal e Proteção dos Direitos, p. 31.
14Paulo Bonavides, Teoria Geral do Estado. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 254, nº 2.
15Paloma Biglino Campos e Luis E. Delgado del Rincón. La Resolución de los conflictos electorales. Madrid: Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, 2010, p. 234-242. Mas é preciso deixar claro que este é apenas o núcleo do devido processo eleitoral substantivo, que não se limita a ser um procedimento de eleições políticas democráticas, mas um modo de ser muito mais amplo do processo eleitoral estatal, que não se resume ao procedimento eleitoral propriamente dito, como se pode ver pela variedade dos Direitos Processuais Públicos, cada um deles com finalidades específicas. A matéria do sufrágio, que é o fim último do processo eleitoral, está mais diretamente afeta ao Direito Processual Eleitoral Político, muito embora toda a estrutura do Direito Processual Eleitoral Público esteja voltada para a garantia do seu exercício e a realização de seus objetivos constitucionais, no âmbito do Estado Democrático de Direito.
16Com propriedade, Rodolfo Viana Pereira defende a tese do “controle social das eleições”, por meio do “controle exercido por organizações sociais através dos instrumentos processuais fornecidos pelo Direito”, com o fim de “sustentar uma ampla esfera pública e participativa do controle das eleições”, e que implique “uma concepção alargada do direito de ação em matéria eleitoral, que inclua as associações civis na lista dos legitimados habilitados a impugnar as operações eleitorais, principalmente, na etapa pós-escrutínio.” (Idem, ibidem, pp. 9, 11, 121 e 122).
O que é importante destacar neste contexto é a existência do controle social do devido processo eleitoral substantivo, que pode ser exercido, inclusive, por associações civis e eleitores em geral, mesmo fora do contencioso eleitoral, além do Ministério Público e de candidatos e partidos políticos, ao lado do controle estatal deste devido processo eleitoral substantivo, que é feito não somente pelo Poder Judiciário, através da Justiça Eleitoral, mas, também, pelo próprio Poder Legislativo, quando, dentro do princípio da anualidade, edita regras eleitorais, destinadas à disciplina do processo eleitoral.
Isto dignifica dizer, em outras palavras, que o devido processo eleitoral substantivo pode ser controlado, no âmbito do processo eleitoral estatal, tanto judicialmente, como extrajudicialmente, para os fins do art. 14, § 9º, da CF.
17Nas palavras de Rodolfo Viana Pereira, a questão da legitimação dos eleitores para a propositura de ações eleitorais foi amplamente discutido na doutrina, mas que, apesar disso, a jurisprudência do TSE pôs fim ao debate ao destituir os eleitores do direito de ação.
Penso, no entanto, que a questão continua aberta, porquanto o controle do devido processo eleitoral substantivo independe de ação processual, ou melhor dizendo, não se dá apenas por meio desta ação, pondo-se em processos eleitorais sem ação, como o processo legislativo, que pode ser desencadeado, na forma do art. 14, III, da CF, por iniciativa popular.
18Assinala Rodolfo Viana Pereira, em primoroso trabalho sobre o tema, ao defender a ampliação do catálogo dos legitimados para a propositura de ações eleitorais, incluindo as associações civis entre os requerentes, que “o direito ao devido processo eleitoral não pode ser contido nos limites intrínsecos dos esquemas, digamos, oficiais de exercício da política, mas deve ser ampliado segundo sua vocação expansiva, a todos os pólos de interesse presentes na sociedade, sejam eles individuais ou coletivos. Na medida em que a ação política exercida em virtude do princípio da representação diz respeito à integralidade dessa sociedade e sobre ela exerce todos os efeitos, o interesse de agir em prol da regularidade eleitoral, não deve se submeter às limitações características de domínios mais circunscritos da atividade humana, mas antes deve ser reconhecido a todos os que concretamente queiram levar aos tribunais prova do comprometimento de determinada eleição.” (V. ob. cit., p. 129). E conclui: “A lisura do processo eleitoral é um bem jurídico constitucional que ultrapassa o círculo de interesses dos atores que participam diretamente no pleito, uma vez que a integridade da habilitação para o exercício da função representativa é assunto que diz respeito, indistintamente, a todos os sujeitos constitucionais.” (idem, ibidem, p. 161).