sexta-feira, 13 de abril de 2012

MANDADO DE SEGURANÇA: POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DOS EFEITOS PECUNIÁRIOS DECORRENTES DA ILEGALIDADE, IMEDIATAMENTE, NOS PRÓPRIOS AUTOS DO MS, MESMO QUANTO AOS VALORES E VANTAGENS VENCIDOS ANTES DA IMPETRAÇÃO

DIREITO PROCESSUAL PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITOS PECUNIÁRIOS PRETÉRITOS. POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DOS EFEITOS PECUNIÁRIOS DECORRENTES DA ILEGALIDADE, IMEDIATAMENTE, NOS PRÓPRIOS AUTOS DO MS, MESMO QUANTO AOS VALORES E VANTAGENS VENCIDOS ANTES DA IMPETRAÇÃO.

1. Nas hipóteses em que a impetração do mandado de segurança apresenta como causa de pedir a prática de um ato ilegal ou abusivo, violador de direito líquido e certo, e não o mero inadimplemento ocorrido no desenvolvimento de uma relação obrigacional, o próprio STF, e também o STJ, deixam de aplicar as Súmulas 269 e 271, ambas do STF.
2. Consequentemente, pela própria natureza jurídica que o ordenamento positivo imprime ao mandado de segurança, impõe-se o cumprimento imediato, no mesmo processo, dos efeitos pecuniários pretéritos produzidos pelo reconhecimento de ato ilegal ou abusivo, violador de direito líquido e certo.
3. Em outras palavras, nos casos em que, da ilegalidade ou do abuso reconhecido no MS, decorrerem efeitos pecuniários, a pessoa jurídica interessada deve ser compelida a pagar o que deve em consequência do ato violador de direito líquido e certo, nos próprios autos do MS, incluindo os vencimentos e as vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança vencidos antes da impetração deste remédio constitucional. Precedentes do STF e do STJ. Doutrina.
O Excelentíssimo Senhor Desembargador FRANCISCO ANTÔNIO PAES LANDIM FILHO (voto-vista):

I. RELATÓRIO

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Karine Belarmino Fernandes, contra ato do Governador do Estado do Piauí, que exonerou a Impetrante do cargo em comissão de Coordenador de Bens Imóveis, símbolo DAS-2, da Secretaria de Administração, enquanto no gozo de licença maternidade.

Segundo consta da petição inicial, a Impetrante estava em gozo de licença gestante desde 27-09-2010, e, em 30-12-2010, por meio do Decreto Estadual nº 14.369, foi exonerada juntamente com os demais ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança, indiscriminadamente (fls. 11 e 14), sem considerar que se encontrava no gozo de estabilidade provisória no serviço público, que se estende desde a confirmação da gravidez até cinco meses depois do parto (art. 10, II, b, do ADCT).

Irresignada, a Impetrante ajuizou o presente mandamus, objetivando compelir o Governador do Estado do Piauí a i) lhe reintegrar no cargo em comissão de Coordenador de Bens Imóveis, na Secretaria da Administração, bem como ii) a lhe pagar os vencimentos relativos ao salário-maternidade que deixaram de ser recebidos no período de dezembro/2010 a abril/2011, quando já se encontrava no gozo de licença maternidade.

Para isto, a Impetrante argumentou que tem direito à estabilidade no cargo, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, na forma do art. 10, II, b, do ADCT da Constituição Federal (fls. 03/04), e que a exoneração, nesse período, lhe confere o direito ao ressarcimento da remuneração correspondente (fls. 05).

Na sessão de julgamento de 24-08-2011, o eminente Desembargador Erivan José da Silva Lopes proferiu seu voto, no sentido de conceder parcialmente a segurança, somente para declarar a ilegalidade do ato impugnado, mas apesar disso, negar-lhe o direito à reintegração, ressalvando contudo a utilização das vias ordinárias para a cobrança de valores decorrentes da exoneração arbitrária, no que foi acompanhado pelos Desembargadores Augusto Falcão Lopes, Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, José Ribamar Oliveira, Fernando Carvalho Mendes e Joaquim Dias de Santana Filho.

Não obstante o brilhantismo do voto proferido pelo eminente Relator, pedi vista dos autos do processo para formar o meu convencimento pessoal acerca da possibilidade jurídica de a Impetrante receber a remuneração do período correspondente à licença gestante nos próprios autos deste Mandado de Segurança, sem necessidade de ajuizar ação ordinária desse modesto ressarcimento indenizatório a que faz jus.

Deste modo, a questão que passo a analisar diz respeito aos efeitos pecuniários do mandado de segurança, ou, mais precisamente, dos efeitos pretéritos do mandamus, contados a partir do ato coator.

II. EFEITOS PECUNIÁRIOS OU PRETÉRITOS DO MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO AO RECEBIMENTO DA REMUNERAÇÃO ATÉ CINCO MESES APÓS O PARTO.

A Impetrante argumentou que i) tem direito à estabilidade, na condição de gestante, no cargo em comissão para o qual havia sido regularmente nomeada, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, na forma do art. 10, II, b, do ADCT da Constituição Federal (fls. 03/04), e que ii) a exoneração nesse período lhe confere o direito ao ressarcimento da remuneração correspondente, na forma do entendimento jurisprudencial dominante (fls. 05).

No julgamento, o eminente relator Erivan José da Silva Lopes concedeu parcialmente a segurança, negando o direito à reintegração ao cargo em comissão, ao tempo que reconheceu o direito à indenização substitutiva das verbas remuneratórias, desde a dispensa até cinco meses após o parto. No entanto, afirmou que o recebimento da referida indenização não poderia ser assegurada por este Mandado de Segurança, haja vista não poder atribuir ao mandamus efeitos patrimoniais pretéritos, nem considerá-lo sucedâneo de ação de cobrança, na forma das Súmulas 269 e 271 do STF, como se vê da motivação do seu voto:

Entretanto, apesar de não ser garantido à gestante exonerada de cargo em comissão o direito à reintegração, fica assegurada as vantagens financeiras pelo período constitucional da estabilidade de que trata o art. 10, II, “b”, do ADCT. Dispõe o dispositivo:
[...]”.
E o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a servidoras públicas, mesmo contratadas a título precário, têm direito à estabilidade provisória a que se refere a norma constitucional. Como não se pode garantir a permanência em cargo em comissão, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que à servidora pública ocupante de cargo de livre nomeação, exonerada durante a gestação, “é devida a indenização substitutiva correspondente à remuneração desde a dispensa da servidora até cinco meses após o parto”.
[...]
A 2ª Câmara Especializada Cível deste Tribunal de Justiça teve oportunidade de se deparar com o tema e também reconheceu o direito da servidora comissionada gestante exonerada no período da estabilidade provisória perceber a indenização substitutiva, em acórdão da relatoria do eminente Des. José Ribamar de Oliveira assim ementado:
[…]
Feitas estas considerações, estou convicto de que tem a impetrante direito ao percebimento da remuneração corresponde ao cargo em comissão que ocupada até 05 (cinco) meses após o parto.
Logrou a impetrante demonstrar que encontrava-se em gozo de licença maternidade, iniciada em 27/09/2010, consoante documentos de fls. 12/13, quando da edição do ato exoneratório, o Decreto nº 14.369, de 30/12/2010. Assim, não me parece pairar dúvidas sobre o direito à mencionada indenização, na forma dos multicitados precedentes e, principalmente, diante do princípio da dignidade da pessoa humana, da proteção à maternidade, à gestante e dos direitos do nascituro, que paulatinamente vêm sendo reconhecidos pelo ordenamento jurídico, a exemplo da recente Lei de Alimentos Gravídicos.
Entretanto, parece assistir razão ao Estado do Piauí quando sustenta que o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança nem produz efeitos patrimoniais pretéritos, nos termos das Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal.
Não existe nos autos data do parto, sendo certo que, iniciada a licença-maternidade em 27/09/2010 e requerido o mandamus somente em 27/04/2011, forçoso concluir que não há parcelas vencidas – ou que pelo menos não há prova pré-constituída de sua existência – em data posterior à impetração a serem asseguradas pela via do mandado de segurança.
Ao tempo em que reconheço o direito à indenização substitutiva pelo período de que trata o art. 10, II, “b”, do ADCT, acolho a preliminar de inadequação da via eleita, vez que o mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais pretéritos, ou seja, não se presta ao percebimento de parcelas vencidas em data anterior à impetração.
E não se diga que o acolhimento da preliminar impediria este magistrado imiscuir-se no mérito da segurança, ou seja, na análise da legalidade do ato acoimado de coator. Isso porque o enunciado da Súmula 271 do STF é bastante claro em prescrever: “Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”. Noutros termos, o verbete sumular não veda a concessão do mandamus, apenas impede que a decisão gere efeitos patrimoniais anteriores à data de impetração. Mutatis mutandis, a Súmula 269 do STF, pela qual “o mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança”, também não impede reconhecimento de ilegalidade e/ou abusividade com reflexos patrimoniais, embora tais valores não possam ser pleiteados nos autos do mandamus. De fato, em idêntica situação, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
[...]
Em virtude do exposto, concedo parcialmente a segurança tão somente para declarar a ilegalidade do ato impugnado, mas nego o direito à reintegração, ressalvando a utilização das vias ordinárias para cobrança dos valores decorrentes desta ilegalidade.” [grifei]

Não obstante a argumentação do eminente relator, peço vênia para discordar de seu voto, proferido na referida sessão plenária, no ponto relativo à vedação do pagamento da verba indenizatória neste MS, por tratar-se de valores vencidos antes da impetração do mandamus, à argumentação de que o MS não produz efeitos patrimoniais pretéritos.

Voltando-se ao texto do voto do em. Relator do processo, Des. Erivan José da Silva Lopes, para melhor situar o debate da questão dos efeitos …. pretéritos do MS, nele se lê, conclusivamente, que “tem a impetrante direito ao percebimento da remuneração”, ou “o direito à indenização substitutiva”, e “embora tais valores não possam ser pleiteados nos autos do mandamus”, porque “o mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais pretéritos, ou seja, não se presta ao percebimento de parcelas vencidas em data anterior à impetração”, enfim, o enunciado sumular (Súm. 269 do STF), de que “o mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança, também não impede (o) reconhecimento de ilegalidade e/ou abusividade com reflexos patrimoniais”.

Numa palavra, o que o voto do relator do processo ressalta é que a declaração da ilegalidade do ato impugnado em reflexos patrimoniais neste mandado de segurança, consistentes nos “valores decorrentes desta ilegalidade”, que, não obstante, devem ser cobrados por via da ação ordinária, já que o MS não se presta ao recebimento de valores patrimoniais anteriores a sua interpretação.

A conclusão do voto do relator do processo, em. Des. ERIVAN JOSÉ DA SILVA LOPES, de que a concessão deste MS tem reflexos patrimoniais, face aos valores devidos à impetrante, em decorrência da ilegalidade do ato impugnado, muito embora somente possam ser cobrados através de ação ordinárias, levanta a questão da natureza jurídica do MS.

Ora, é correntia a afirmação de que o MS tem natureza mandamental, razão pela qual “o mandado de segurança é executório por si mesmo”, como assinala SERGIO DE ANDRÉA FERREIRA, na medida em que “já contém em si a ordem judicial (do seu cumprimento)” (V. A natureza mandamental-condenatória do mandado de segurança na Lei 5.021, de 1966, em RDP 22/65).

É essa natureza mandamental do MS, ou, mais propriamente, mandamentalidade da tutela jurisdicional prestada pela sentença concessiva do mandado de segurança, que impossibilita se faça dele um substitutivo da ação de cobrança, como se lê na súmula 269 do STF.

Não obstante isso, é preciso ponderar na companhia do sempre festejado HELY LOPES MEIRELLES, que, muito embora o MS não seja sucedâneo da ação de cobrança, como se lê no direito sumulado, nem por isso “(é) meio inidôneo para amparar lesões de natureza pecuniária” (V. Mandado de Segurança, 2008, p. 104, nº 16), sendo que “uma das áreas de maior aplicação do mandamus, com repercussões pecuniárias, sempre foi o das reivindicações de vencimentos e vantagens, por servidores jurídicos. Em geral, esses vencimentos e vantagens são mensais, o que acarreta o pagamento dos chamados atrasados”. (V. SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA, art. cit., em RDP 22/68)

O exemplo mais claro deste ensinamento doutrinário no qual a impetrante roga o pagamento de vencimentos relativos ao salário-maternidade que não foram recebidos pela suplicante no período de dezembro de 2010 a dezembro de 2011, é o próprio voto do relator do processo de que há valores pecuniários decorrentes da concessão da segurança, que reconhecem a ilegalidade do ato impugnado, muito embora somente possam ser cobrados por meio de ação de cobrança, nas vias ordinárias, numa demonstração apropriada de que o MS, apesar de não ser sucedâneo de ação de cobrança, não é meio inidôneo para amparar lesões de natureza pecuniária, como é do magistério do citado HELY LOPES MEIRELES.

Não se pode negar que os efeitos pecuniários, neste mandado de segurança, como votou o relator, os reflexos patrimoniais decorrentes da declarada ilegalidade do ato impugnado, são uma consequência direta do direito líquido e certo reconhecido pelo voto concessivo da segurança, que garante à impetrante “(o) direito ao percebimento da remuneração correspondente ao cargo em comissão em comissão que ocupava (sic) até 05 (cinco) meses após o parto”, ou, em outras palavras, ainda do próprio relator do processo, “o direito à indenização substitutiva pelo período de que trata o art. 1º, II, b, do ADCT (da CF)”.

Neste ponto, o voto condutor do processo leva à consideração dos efeitos os efeitos pecuniários no MS.

Assim, quais são os efeitos pecuniários da concessão do MS?

Autorizada doutrina, assinada, dentre outros, por CASSIO SCARPINELLA BUENO, tem ressaltado que são três (3) os efeitos pecuniários decorrentes da decisão concessiva do MS – os efeitos pretéritos, presentes e futuros, como uma forma de garantia assegurada constitucionalmente ao impetrante, ou, nas palavras do autor, “tudo para que a inteireza do direito reconhecido no mandado de segurança seja garantida de forma coerente e completa ao impetrante, otimizando-se e racionalizando-se a prestação jurisdicional, enaltecendo-se os efeitos (futuros, presentes e pretéritos) do mandado de segurança, direito e garantia constitucionalmente assegurado”. (V. Sentença concessiva de mandado de segurança em matéria tributária e efeitos patrimoniais: estudo de caso, em ERNANE FIDELIS DOS SANTOS, e OUTROS, Execução Civil – Estudos em Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior, 2007, p. 325, nº 2.1).
Os efeitos pecuniários presentes no MS são aqueles produzidos a conta da data do ajuizamento da inicial do mandamus e o julgamento definitivo do pedido com a concessão da segurança. Assim sendo, os efeitos pecuniários presentes do MS estão constituídos pelas parcelas que se vencerem a partir da impetração do writ até final julgamento de mérito da ação. A soma do montante dos efeitos pecuniários presentes do MS é chamado de os atrasados pela doutrina:

- “[...] Como foi anotado por Clayton Maranhão, 'os chamados 'atrasados', desde que devidos a partir do ajuizamento até o deferimento da liminar ou sentença concessiva, podem ser liquidados e executados nos próprios autos do mandado de segurança' ('Mandado de Segurança Individual e Coletivo'. FARIAS, Cristiano Chaves de; DIDIER JÚNIOR, Fredie (coordenadores). Procedimentos Especiais Cíveis. Legislação Extravagante, cit., p. 179)”. (V. PEDRO ROBERTO DECOMAIN, Mandado de Segurança (o Tradicional, o Novo e o Polêmico na Lei 12.016/09), 2009, p. 556, nota 4).

Numa palavra, e rente com a dicção do art. 14, § 4º, da LMS, os efeitos pecuniários presentes do MS são “vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público (…) relativamente à prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.”:
Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
[...]
§ 4o O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.”

Neste ângulo de consideração, não há efeitos pecuniários presentes neste MS, porque não há prestações que se venceram a contar da data do ajuizamento da inicial da ação, em favor da impetrante, que reclama de ter sido exonerada arbitrariamente do cargo em comissão quando se encontrava no gozo de estabilidade provisória, resultante de gravidez e consequente licença maternidade, como lhe é assegurado pela CF.

Do mesmo modo, não há considerar aqui os efeitos pecuniários futuros do MS, compreendidos como aquelas prestações que se vencerem após o trânsito em julgado da decisão concessiva de segurança, isto é, vencimentos e vantagens do servidor público constituída pelas parcelas vincendas do que lhe deve ser pago por ocasião do cumprimento da sentença concessiva do MS.

Porém, se não há efeitos pecuniários presentes nem futuros neste mandado de segurança, em que categoria posso enquadrar os efeitos financeiros decorrentes de sua concessão, na forma do ilustrado voto do relator processo, Des. ERIVAN JOSÉ DA SILVA LOPES, que, acertadamente, garantiu à impetrante “o direito à indenização substitutiva”, ou, ainda em suas palavras, “(o) direito ao percebimento da remuneração corresponde (rectius – correspondente) ao cargo em comissão que ocupada (rectius – ocupava) até cinco meses após o parto”, enfim, “valores decorrentes desta ilegalidade”, ou seja, da ilegalidade do ato impugnado.

É certo que na classificação categorial dos efeitos do MS – efeitos presentes, passados e futuros – o em. Relator deste processo não classificou esse “direito à indenização substitutiva”, que é, em suas palavras “(o) percebimento da remuneração correponde (rectius – correspondente) ao cargo em comissão de que ocupada (rectius -ocupava) até 05 (cinco) meses após o parto”, na categoria dos efeitos pecuniários pretéritos, à consideração da doutrina corrente de que “o mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais pretéritos”.

Ora, com a devida vênia, o que o em. Relator chama expressamente de “direito à indenização substitutiva”, ou seja, “(o) percebimento da remuneração corresponde (rectius – correspondente) ao 'cargo em comissão que ocupada (rectius – ocupava) (a impetrante) até 05 (cinco) meses após o parto”, enfim, “valores decorrentes desta ilegalidade” declarada do ato impugnado pelo MS, nada mais são do que efeitos pretéritos, isto é, aqueles que se produziram antes da impetração do MS, e, num único momento, já que têm caráter indenizatório de ilegalidade cometida pela autoridade coatora, que suprimiu verbas remuneratórias, em virtude de exoneração arbitrária da impetrante de cargo em comissão, que estava em pleno gozo de estabilidade provisória decorrente de gravidez e consequente licença maternidade.

Na verdade, a lei do MS é omissa quanto aos efeitos pecuniários pretéritos do MS, mas também o é sobre os efeitos pecuniários futuros, que não obstante são reconhecidos como prestações vincendas dos efeitos patrimoniais do mandamus.

E, além dessa omissão legislativa sobre os efeitos pretéritos do MS, ainda existem, por cima, a Súmula 271 do STF, cujo enunciado prescreve que “concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação aos períodos pretéritos”.

Não obstante isso, a jurisprudência mais recente tem desconstituído esse entendimento do direito sumular, como pondera o próprio STJ, em Acórdão do Min. ARNALDO ESTEVES DE LIMA sobre o alcance do MS no tocante aos efeitos patrimoniais pretéritos de decisão concessiva da ordem, decidindo que a Súmula 269 e 271/STF deve ser interpretada com temperamentos, porquanto editada há mais de 45 anos, devem adaptar-se às mudanças jurídicas, sociais e econômicas que recomendam “não simplesmente o seu abandono, mas, sim, a sua aplicação de forma consentânea com a nova realidade superveniente”:

- “7 – No tocante aos efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança, o Supremo Tribunal Federal, nos idos de 1963, editou as seguintes súmulas:
Súmula 269: "O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança".
Súmula 271: Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados
administrativamente ou pela via judicial própria.
Posteriormente, foi promulgada a Lei 5.021/66, que dispõe:
Art. 1º. O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.
§ 1º. (VETADO).
§ 2º. Na falta de crédito, a autoridade coatora ou a repartição responsável pelo cumprimento da decisão encaminhará, de imediato, a quem de direito, o pedido de suprimento de recursos, de acordo com as normas em vigor.
§ 3º. A sentença que implicar em pagamento de atrasados será objeto, nessa parte, de liquidação por cálculo (artigos 906 a 908 do Código de Processo Civil), procedendo-se, em seguida, de acordo com o artigo 204 da Constituição Federal.
§ 4º. Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias.
8 – Ocorre que os enunciados das Súmulas 269/STF e 271/STF devem ser interpretados com temperamentos. Não se pode, efetivamente, deixar de consignar que tal jurisprudência sumulada formou-se há mais de 45 anos. Houve, em tal interstício de tempo, mudanças jurídicas, sociais e econômicas a recomendar não simplesmente o seu abandono, mas, sim, a sua aplicação de forma consentânea com a nova realidade superveniente. (…).
9 – De fato, na hipótese em que servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, os efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança devem retroagir à data da prática do ato impugnado, violador de direito líquido e certo. Inaplicabilidade das Súmulas
269/STF e 271/STF.” (MS 12406/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 17/10/2008).

Assim, à luz do r. Acórdão do STJ, da lavra do Min. Arnaldo Esteves Lima, o mandado de segurança produzirá efeitos pretéritos se o servidor público deixou de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, afastando-se, assim, dado a peculiaridade do caso, as Súmulas 269/STF e 271/STF, como vale repetir:

- “7. Na hipótese em que servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, os efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança devem retroagir à data da prática do ato impugnado, violador de direito líquido e certo. Inaplicabilidade dos enunciados das Súmulas 269/STF e 271/STF.
8. A alteração no texto constitucional que excluiu do regime de precatório o pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor aponta para a necessidade de revisão do alcance das referidas súmulas e, por conseguinte, do disposto no art. 1º da Lei 5.021/66, principalmente em se tratando de débitos de natureza alimentar, tal como no caso, que envolve verbas remuneratórias de servidores públicos.
9. Segurança concedida. Agravo regimental improvido.” (STJ, MS 12406/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 17/10/2008).

No caso, a Impetrante deixou de receber a remuneração correspondente a sua licença maternidade, referente a cinco (5) meses depois do parto da criança de que se encontrava grávida, quando no exercício do cargo em comissão estadual, por ato ilegal da autoridade coatora, que, a despeito de sua estabilidade provisória no serviço público, decretou-lhe a exoneração do cargo em comissão, sem, contudo, lhe pagar a remuneração correspondente à licença maternidade que deve receber, agora a título de indenização substitutiva.

No sentido do reconhecimento de efeitos pretéritos ao mandado de segurança é também a jurisprudência do STF, ao proclamar o direito do impetrante ao pagamento de indenização, isto é, “de valores anteriores à impetração da (…) ação mandamental”, sem que isso implique em transformar o mandamus em ação de cobrança, razão pela qual a Suprema Corte deu pela não incidência ao caso das Súmulas 269 e 271/STF, em r. Acórdão da lavra da Min. Cármen Lúcia:

- “EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA QUE DECLAROU O RECORRENTE ANISTIADO POLÍTICO E DETERMINOU O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA. RECURSO PROVIDO. 1. O não-cumprimento de Portaria do Ministro da Justiça que reconheceu o Recorrente como anistiado político, fixando-lhe indenização de valor certo e determinado, caracteriza-se ato omissivo da Administração Pública. 2. Configurado o direito líquido e certo do Recorrente, por se tratar de cumprimento de obrigação de fazer, e não cobrança de valores anteriores à impetração da presente ação mandamental. Não-incidência das Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal. 3. Demonstrada a existência de prévia dotação orçamentária, não há afronta ao princípio da legalidade da despesa pública. 4. Recurso em Mandado de Segurança provido.” (STF, RMS 27357, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 25/05/2010, DJe-145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010 EMENT VOL-02409-03 PP-00595 RT v. 100, n. 903, 2011, p. 128-139).

No mesmo sentido ainda é a jurisprudência mais recente do STJ, assinada pelo Min. Herman Benjamin, na esteira de outros precedentes de anos anteriores:

- “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REPARAÇÃO ECONÔMICA. ANISTIA DE MILITAR. PARCELAS PRETÉRITAS. MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA. LEGITIMIDADE. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO. MERA SOLICITAÇÃO DE CASSAÇÃO DO ATO CONCESSIVO. INSUFICIÊNCIA PARA MODIFICAR A SUJEIÇÃO PASSIVA E AFASTAR A EXISTÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO ESTABELECIDO NA LEI 10.559/2002. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. O Ministro de Estado da Defesa é competente para realizar pagamentos de reparações econômicas concedidas pelo Ministério da Justiça relativas à anistia política para militares, nos termos do art. 18 da Lei 10.599/2002, tendo legitimidade para figurar como autoridade impetrada no Mandado de Segurança em que se pleiteia o recebimento das parcelas pretéritas.
2. O STJ fixou entendimento em conformidade com julgado do STF (RMS 24953/DF, Relator Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 1º.10.2004), admitindo o manejo de Mandado de Segurança contra omissão no pagamento de reparação econômica por anistia relativa a períodos pretéritos. Inaplicável à hipótese o óbice das Súmulas 269 e 271 do STF.
3. A omissão quanto ao pagamento da reparação econômica é coação continuada no tempo, com relação à qual não caduca o direito de impetração da demanda.
4. Em se tratando de exercício do direito de ação relacionado exclusivamente à efetivação de direito líquido e certo, não se cogita da ocorrência de prescrição da pretensão vinculada à satisfação do direito de crédito.
5. (…).
10. Mandado de Segurança concedido, com a ressalva de que, revogada a anistia concedida ao impetrante, cessam os efeitos desta ordem.” (STJ, MS 15703/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2011, DJe 04/10/2011).

- “DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. REDUÇÃO DE PROVENTOS. PARCELA INCORPORADA. ALTERAÇÃO NA FORMA DE CÁLCULO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. RECONHECIMENTO. EFEITOS PATRIMONIAIS. CONTAGEM A PARTIR DA PRÁTICA DO ATO IMPUGNADO. PRECEDENTE DO STJ. RECURSO PROVIDO.
1. (…).
3. No caso em que servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, os efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança devem retroagir à data da prática do ato impugnado, violador de direito líquido e certo. Inaplicabilidade dos enunciados das Súmulas 269/STF e 271/STF.
4. Recurso ordinário provido.” (STJ, RMS 24170/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 28/08/2008, DJe 17/11/2008).

- “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA. PORTARIA QUE RECONHECE A CONDIÇÃO DE ANISTIADO POLÍTICO. SUPOSTA OMISSÃO DO MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA QUANTO AO PAGAMENTO DAS PARCELAS PRETÉRITAS. VIA ADEQUADA. PRECEDENTE DO STF. AGRAVO PROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RMS 24.953/DF, assentou que não consubstancia ação de cobrança o mandado de segurança que visa sanar omissão da autoridade coatora quanto ao cumprimento integral da portaria que reconhece a condição de anistiado político, inclusive no tocante ao pagamento da parcela relativa a valores pretéritos, cujo montante devido encontra-se ali expressamente previsto.
2. Agravo regimental provido. Mandado de segurança conhecido.” (STJ, AgRg no MS 10687/DF, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Rel. p/ Acórdão Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/11/2005, DJ 06/03/2006, p. 154).

Esse entendimento jurisprudencial demonstra, nas palavras de Scarpinella Bueno, que o caráter mandamental do mandado de segurança não é incompatível com a produção de efeitos anteriores a sua impetração, principalmente quando estes são complementares ou são uma decorrência direta do reconhecimento do direito material da Impetrante, em toda sua extensão jurídica temporal:

  1. - “(...) E mais: esta ordem, inerente à declaração, não é óbice para eventuais aspectos patrimoniais que as decisões jurisdicionais, inclusive a do mandado de segurança, podem assumir ainda que retroativamente. A 'ordem' (…) não é arredia, muito pelo contrário, a outros efeitos, logicamente anteriores e, por isto mesmo, inerentes à concessão de qualquer tutela jurisdicional, ou, como aqui interessa, complementares ao reconhecimento do mesmo direito material pelo Estado-juiz.” (V. art. cit., em Ernane Fidélis dos Santos e outros (coord.), Execução Civil, 2007, p. 327 - grifei).

Na verdade, “o direito à indenização substitutiva”, que está sendo garantido à impetrante, é uma decorrência direta do reconhecimento do direito material do impetrante, em toda a sua extensão jurídica e temporal, ou, em outras palavras, “o direito ao percebimento de remuneração corresponde [rectius – correspondente] ao cargo em comissão que ocupada [rectius: ocupava] até 5 (cinco) meses após o parto” é uma decorrência direta da declaração de ilegalidade do ato coator atacado neste mandado de segurança.

Assim sendo, não há como cindir ou separar “o direito à indenização substitutiva”, conferindo à impetrante, a partir da ilegalidade do ato coator, a tutela jurisdicional concessiva da segurança à qual esse direito à indenização é inerente, tanto quanto a própria declaração de ilegalidade do ato impugnado neste Mandado de Segurança.

Desse modo, demonstrado, com base na doutrina e na jurisprudência dos tribunais, como no próprio enunciado da conclusão do voto condutor do processo, que o mandado de segurança produz efeitos primários pretéritos, que não podem ser separados da própria tutela concessiva da segurança, porquanto são inerentes à declaração da ilegalidade do ato impugnado neste mandado de segurança, resta examinar como se cumprem os efeitos financeiros pretéritos do mandado de segurança.

Por amor à verdade, sublinhe-se, logo de saída, que o em. Relator deste processo, porque não reconhece os efeitos pretéritos do mandado de segurança, não admite também que eles sejam cumpridos ou satisfeitos nos autos mesmos do mandado de segurança, como ocorre com os efeitos pecuniários presentes e os futuros, devendo a Impetrante, para este fim, ajuizar ação de cobrança para receber os valores decorrentes da ilegalidade do ato impugnado em juízo.

Porém, entendo, com a devida vênia, que a execução de efeitos pecuniários pretéritos, nos autos de mandado de segurança, não implica em transformá-lo em ação de cobrança.

De todo modo, para realçar o mecanismo do cumprimento dos efeitos pecuniários pretéritos no mandado de segurança, faço ligeira digressão, para, antes disso, dissertar brevemente sobre o cumprimento dos efeitos pecuniários presentes e dos efeitos pecuniários futuros no mandado de segurança.

Na forma do art. 13 da LMS, os efeitos pecuniários do mandado de segurança, sejam presentes ou futuros, cumprem-se imediatamente, logo que transmitido à autoridade coatora e à pessoa jurídica interessada o inteiro teor da sentença concessiva do mandado de segurança:

  • Art. 13.  Concedido o mandado, o juiz transmitirá em ofício, por intermédio do oficial do juízo, ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento, o inteiro teor da sentença à autoridade coatora e à pessoa jurídica interessada.”.

Isto é, “a sentença concessiva do mandado de segurança tem eficácia imediata”, como ressalta Cassio Scarpinella Bueno, para que “o direito do impetrante, afinal reconhecido pelo julgamento da ação, seja cumprido específica e imediatamente, sem solução de continuidade, isto é, sem necessidade de nova ação ou novo processo de execução”:

- “Trata-se, pois, de determinação para cumprimento imediato. A sentença concessiva do mandado de segurança (…) tem eficácia imediata.
(…).
(…) há uma ordem na decisão concessiva do mandado de segurança. Ordem para que o direito do impetrante, afinal reconhecido pelo julgamento da ação, seja cumprido específica e imediatamente, sem solução de continuidade (isto é, independentemente de nova ação ou novo processo – de execução), assegurando-lhe ou garantindo-lhe sua fruição plena in natura.” (V. Cassio Scarpinella Bueno, Mandado de Segurança, 2002, p. 92 e 97).

A jurisprudência também não regateia a força executiva imediata da sentença concessiva da segurança, quer relativamente aos efeitos pretéritos (prestações vencidas), quer relativamente aos seus efeitos futuros (prestações vincendas), como já decidiu o STJ:

  • A decisão, em mandado de segurança, é executada logo que seja transmitido, em ofício, o seu integral teor à autoridade coatora.” (STJ – Boletim AASP 1.835/57, apud Theotônio Negrão e outros, CPC e legislação processual em vigor, 2011, p. 1.766, nota art. 13:3).

No tocante aos efeitos pretéritos, não há razão para que sejam cumpridos diferentemente daqueles efeitos presentes e dos efeitos futuros, principalmente quando os efeitos financeiros pretéritos do mandado de segurança são reconhecidos na própria decisão concessiva do mandado de segurança, como decorrência direta da declaração de ilegalidade do ato coator impugnado em juízo, ou, na palavras de marcada elegância jurídica do Min. Arnaldo Esteves Lima, quando “a repercussão financeira na hipótese do reconhecimento da prática do ato ilegal ou abusivo violador do direito líquido e certo do impetrante.” (STJ, MS 12406/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 17/10/2008).


O único obstáculo para superar nesse ponto é que o cumprimento da repercussão financeira pretérita do mandado de segurança não implica em fazer dele um sucedâneo da ação de cobrança, como é da Súmula nº 269 do STF, por força da qual “o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.”.

O que é uma ação de cobrança? É aquela que tem por causa de pedir um fato gerador de direito de crédito que reclama pagamento pelo devedor. Nela se reclama, por excelência, o reconhecimento judicial de efeitos patrimoniais entre o credor e o devedor, decorrentes de um vínculo obrigacional existente entre ambos no mundo jurídico.

Assim, exemplificando, não pode o servidor público impetrar mandado de segurança para reclamar em juízo o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias, o que é causa de pedir vedada pelo art. 14 da LMS, que, no ponto, reproduziu o inteiro teor do art. 1º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, como se lê em r. Acórdão do STJ, da lavra do Min. Vicente Cernichiaro, que, não obstante de modo breve, discutiu profundamente o assunto:

  • No caso dos autos, debate-se exclusivamente um ponto: reconhecida a ilegalidade da punição administrativa, os vencimentos não pagos, durante o período do afastamento compulsório, podem ser reclamados na ação de segurança?

A Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966 – Dispõe sobre o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público civil – estatui no art. 1º:

'O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial'.

O mandado de segurança não se confunde com a ação de cobrança. Aliás, a Súmula 269, do Supremo Tribunal Federal, enuncia: 'O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança'.

A conclusão é correta. Urge registrar a exata dimensão da diferença.

Toda ação repousa na – causa de pedir. Com isso, os processualistas indicam o fato, a causa da relação jurídica litigiosa. O pormenor é a espinha dorsal da ação.

Não se pode, em mandado de segurança, deduzir causa de pedir que seja fato gerador de direito de crédito para reclamar pagamento.

Daí a afirmação de o mandamus não substituir a ação de cobrança.

A Lei nº 5.021/66 veda o mandado de segurança, perdoem-me repetir a expressão, exibir como causa de pedir direito 'de vencimentos e vantagens pecuniárias', da qual decorre o pedido de – pagamento.” (STJ, REsp 29950/SP, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em 14/12/1992, DJ 01/03/1993, p. 2537).

A toda luz, o mandado de segurança não tem como causa de pedir o pagamento de vencimentos e vantagens porventura devidos à Impetrante, mas a sua exoneração arbitrária do cargo em comissão que ocupava na administração estadual, razão pela qual pleiteou em juízo a sua reintegração no cargo, com o consequente pagamento dos vencimentos atrasados, que deixou de receber em face da ilegalidade do ato coator.

O voto concessivo da segurança, não obstante denegar-lhe a reintegração no cargo em comissão (o que está absolutamente correto), deferiu-lhe, contudo, o direito à indenização substitutiva, ou o pagamento de valores decorrentes da declaração de ilegalidade do ato coator, mas, apesar disso, remeteu-lhe às vias ordinárias, à consideração de que “o mandado de segurança não produz efeitos pretéritos”, e, por isso, “não se presta ao percebimento de parcelas vencidas em data anterior à impetração”, mas, em todo caso, “ressalvada a utilização das vias ordinárias para cobrança de valores decorrentes desta ilegalidade.”.

Em situações como esta, contudo, a jurisprudência tem ressaltado que não se deve enviar a parte às vias ordinárias para o recebimento de valores decorrentes da declaração de ilegalidade do ato coator, porquanto, em casos como este, “a prestação jurisdicional cumpre ser exaustiva, no sentido de repor às inteiras, quanto possível, a situação anterior”, e, em consequência, “efetuar o pagamento ilegalmente suspenso”, em razão de que, neste caso, “a repercussão patrimonial não se dá a título de cobrança, mas como efeito da procedência do pedido principal”, tal como se lê ainda no r. Acórdão do STJ, com a ilustrada assinatura do Min. Vicente Cernichiaro:

  • No caso dos autos, entretanto, a causa de pedir foi a ilegalidade da sanção administrativa. Tanto assim, a r. sentença encerra este dispositivo:

'Isto posto e considerando o que mais dos autos consta, concedo a segurança impetrada por Antônio da Silva Arruda contra ato do Dr. Delegado Regional Tributário de Presidente Prudente, para o fim de anular a sindicância instaurada contra o Impetrante e, em consequência, a pena de suspensão a ele imposta, sem prejuízo de renovação do ato e aplicação da penalidade cabível, desde que observadas as formalidades legais” (fls. 32).

Evidencia-se, está cristalino, o Impetrante, ora Recorrido[,] não deduziu causa de pedir vedada pelo art. 1º, [sic] da Lei nº 5.021/66.

Em sendo assim, a percepção dos vencimentos retidos, como consequência, da punição administrativa, [sic] devem ser restaurados, como acessório do principal.

A prestação jurisdicional cumpre ser exaustiva, no sentido de repor às inteiras, quanto possível, a situação anterior. Na espécie sub judice, desfeita a sanção, urge restaurar, juridicamente, o fato anterior, vale dizer, ter-se como inexistente a punição. Em consequência, efetuar o pagamento ilegalmente suspenso.

O v. acórdão, Relator o ilustre Desembargador Leite Cintra, registra irrepreensivelmente:

'Se se reconheceu que seu afastamento punitivo foi ilegítimo, dessa decisão decorre, automaticamente, o dever de a Administração repor os dias parados, independentemente de ação própria. É o que ocorre sempre na hipótese de reintegração de funcionário que obtém a declaração de nulidade do ato demissório, em ação ordinária ou em mandado de segurança, nos quais a repercussão patrimonial não se dá a título de cobrança, mas como efeito da procedência do pedido principal'. (fls. 39)

Não conheço do recurso.” (STJ, REsp 29950/SP, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em 14/12/1992, DJ 01/03/1993, p. 2537).

Daí a ementa com que o ilustre Min. Vicente Cernicchiaro formula o núcleo decisório do r. Acórdão do STJ, ou seja, de que o mandado de segurança, muito embora não se confunda com a ação de cobrança, porque têm causa de pedir distintas, implica também no pagamento dos vencimentos ou vantagens ilegalmente suspenso, que não se dá a título de cobrança, mas como efeito da procedência parcial ou integral do pedido formulado na petição inicial da causa:

- “RESP - CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - AÇÃO DE COBRANÇA - PAGAMENTO - O MANDADO DE SEGURANÇA NÃO SE CONFUNDE COM A AÇÃO DE COBRANÇA.
TODA AÇÃO REPOUSA NA - CAUSA DE PEDIR. NÃO SE PODE, EM MANDADO DE SEGURANÇA, DEDUZIR FATO GERADOR DE DIREITO DE CREDITO PARA RECLAMAR PAGAMENTO. A LEI N. 5.021/66 VEDA, NO MANDAMUS, PEDIR "VENCIMENTOS E VANTAGENS PECUNIARIAS".
DIFERENTE, ENTRETANTO, SE A CAUSA DE PEDIR FOR ILEGALIDADE DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA APLICADA. NO CASO, CONCEDIDA A SEGURANÇA, REPÕE-SE A SITUAÇÃO JURIDICA ANTERIOR, EM CONSEQUENCIA, TAMBEM O PAGAMENTO DO QUE FORA ILEGALMENTE SUSPENSO. A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL CUMPRE SER EXAUSTIVA, NO SENTIDO DE REPOR, AS INTEIRAS, QUANTO POSSIVEL, O DIREITO RECONHECIDO.” (STJ, REsp 29950/SP, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em 14/12/1992, DJ 01/03/1993, p. 2537).

Mais recentemente, o STJ ratificou esse entendimento jurisprudencial, pelo voto do Min. Arnaldo Esteves Lima, para afastar as Súmulas 269/STF e 271/STF, “quando o mandado de segurança foi impetrado contra ato que suprimiu verbas remuneratórias, inclusive em virtude de demissão”, porque “a repercussão financeira retroativa na hipótese é mera consequência do ato do reconhecimento da prática do ato ilegal ou abusivo violador do direito líquido e certo do impetrante.”, razão pela qual, ainda nas palavras do ilustre Ministro do STJ, “refoge à lógica do razoável obrigar o servidor a ingressar novamente em juízo para cobrar diferenças relativas a período aquém da data do ajuizamento do mandamus, se tal pode e deve (…) [ser pago] nos mesmos autos do writ, conforme, por exemplo, preconizado pela Lei 11.232/05, que alterou o CPC, arts. 475-A e seguintes.”:

- “Por fim, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o MS 12.397/DF, de minha relatoria, DJ de 16/6/08, firmou compreensão segundo a qual, na hipótese em que servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, os efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança devem retroagir à data da prática do ato impugnado, violador de direito líquido e certo. Inaplicabilidade das Súmulas 269/STF e 271/STF.
Do voto condutor do julgado extraio o seguinte excerto, que bem esclarece as razões que passaram a prevalecer na hipótese:
Refoge à lógica do razoável obrigar o servidor a ingressar novamente em juízo para cobrar diferenças relativas a período aquém da data do ajuizamento do mandamus , se tal pode e deve – sem menosprezo aos direitos e garantias do devedor, que deve pagar exatamente o que deve, nem mais, nem menos, como é óbvio, tal como se apurar –, inclusive, se necessário for, nos mesmos autos do writ, conforme, por exemplo, preconizado na Lei 11.232/05, que alterou o CPC, arts. 475-A e seguintes. Em geral, administrativamente, o próprio órgão ao qual vinculado funcionalmente o servidor tem como fazer e disponibilizar os cálculos dos valores atrasados, efetuando o seu pagamento, independentemente de precatório.
Como sabemos, é uma constante a busca de soluções, as mais prontas e efetivas, nas resoluções dos conflitos judiciais. É a permanente luta contra a morosidade, mal maior, talvez, da prestação jurisdicional, de difícil superação. Assim, sempre que possível – sem violar as normas de regência e muito menos os princípios jurídicos –, mas, ao contrário, atribuindo-lhes racional inteligência, devemos buscar soluções que se harmonizem com tal propósito, em favor do próprio interesse público, da cidadania, destinatária final e única, a rigor, dos serviços públicos, inclusive daqueles, como cediço, prestados pelo Judiciário.
Ainda no mesmo sentido, a própria Lei 8.112/90, ao definir reintegração do servidor, em seu art. 28, in fine, determina que isso se dará "com ressarcimento de todas as vantagens". Tal pressupõe, logicamente, que se restaure, materialmente, pecuniariamente, tudo o que se perdeu em razão da demissão que veio a ser invalidada judicial ou administrativamente. Para se alcançar esse objetivo legalmente expresso, a decisão deve retrotrair-se à data a partir da qual ocorreu a lesão ao direito, resultando no dano cuja reparação veio a ser determinada, por uma de tais instâncias, não se coadunando com o propósito expresso da norma de que, caso tal decorra de decisão judicial em mandado de segurança, os efeitos patrimoniais o sejam só a partir da data em que o mandamus tenha sido impetrado, restando os atrasados para cobrança em lide diversa.
Necessariamente, o "ressarcimento de todas as vantagens" presume, logicamente, a retroatividade material da decisão à data em que ocorreu a lesão ao direito, judicialmente corrigida. É mais uma razão que milita a fazer do abrandamento das referidas Súmulas do STF e mesmo da Lei 5.021/66, pois o contexto jurídico é bastante diverso daquele sob o qual tais precedentes sumulares e referido diploma normativo vieram a lume.
10 – Além disso, diante da circunstância de que o art. 18 da Lei 1.533/51 confere o prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência do ato impugnado, para a impetração do mandamus , e a parte interessada dele se utiliza, a repercussão financeira retroativa na hipótese é mera conseqüência do reconhecimento da prática do ato ilegal ou abusivo violador do direito líquido e certo do impetrante.
No atual estágio em que se encontra o Direito Processual Civil, seria um evidente retrocesso, que violaria os princípios da celeridade e da economia processual, remeter às vias ordinárias o servidor público ao qual foi concedida a segurança tão-somente para executar parcelas, em regra, de valor não muito expressivo, relativas a um curto período de tempo, de no máximo 120 (cento e vinte) dias, e decorrentes do próprio vínculo funcional.
11 – Nesse contexto, cabe registrar que a alteração no texto da Constituição Federal que excluiu do regime de precatório o pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor aponta para a necessidade de revisão do alcance das Súmulas 269/STF e 271/STF e, por conseguinte, do art. 1º da Lei 5.021/66, principalmente em se tratando de débitos de natureza alimentar, tal como no caso em exame, que envolve verbas remuneratórias de servidores públicos.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário. Concedo a segurança para, nos termos do pedido, anular o ato impugnado e determinar o pagamento dos proventos dos recorrentes da forma que vinha sendo realizado. Efeitos patrimoniais contados desde a prática do ato atacado. Custas ex lege. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos da Súmula 105/STJ.” (STJ, RMS 24170/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 28/08/2008, DJe 17/11/2008).

Mais recentemente ainda, como já sublinhei em outro capitulo deste voto, o Ministro Herman Benjamin voltou a retificar esse entendimento no STJ, afastando o óbice das sumulas 269 e 271 do STF, para garantir nos autos do MS, o pagamento de reparação econômica relativo a períodos pretéritos .

- “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REPARAÇÃO ECONÔMICA. ANISTIA DE MILITAR. PARCELAS PRETÉRITAS. MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA. LEGITIMIDADE. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO. MERA SOLICITAÇÃO DE CASSAÇÃO DO ATO CONCESSIVO. INSUFICIÊNCIA PARA MODIFICAR A SUJEIÇÃO PASSIVA E AFASTAR A EXISTÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO ESTABELECIDO NA LEI 10.559/2002. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. O Ministro de Estado da Defesa é competente para realizar pagamentos de reparações econômicas concedidas pelo Ministério da Justiça relativas à anistia política para militares, nos termos do art. 18 da Lei 10.599/2002, tendo legitimidade para figurar como autoridade impetrada no Mandado de Segurança em que se pleiteia o recebimento das parcelas pretéritas.
2. O STJ fixou entendimento em conformidade com julgado do STF (RMS 24953/DF, Relator Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 1º.10.2004), admitindo o manejo de Mandado de Segurança contra omissão no pagamento de reparação econômica por anistia relativa a períodos pretéritos. Inaplicável à hipótese o óbice das Súmulas 269 e 271 do STF.
3. A omissão quanto ao pagamento da reparação econômica é coação continuada no tempo, com relação à qual não caduca o direito de impetração da demanda.
4. Em se tratando de exercício do direito de ação relacionado exclusivamente à efetivação de direito líquido e certo, não se cogita da ocorrência de prescrição da pretensão vinculada à satisfação do direito de crédito.
5. A mera solicitação, dirigida à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, de cassação do ato administrativo que concedeu anistia ao militar não promove, por si, o deslocamento da sujeição passiva para o Ministro de Estado da Justiça - mormente quando não comprovada a efetiva instauração de procedimento nesse sentido -, tampouco torna controvertida a qualificação do direito como líquido e certo.
6. A falta de recursos orçamentários suficientes para o pagamento das parcelas pretéritas da reparação econômica decorrente de anistia política, contínua ao longo dos anos, revela manifesto descumprimento do Poder Executivo à lei que fixou prazo certo para tanto (art. 12, § 4º, da Lei 10.559/2002). Por tal motivo, não pode ser utilizada sine die como pretexto para inviabilizar a efetivação do direito cuja tutela é perseguida no Mandado de Segurança.
7. Caso inexista disponibilidade orçamentária para o imediato cumprimento da ordem, o pagamento deverá ser feito mediante regular processo de execução contra a Fazenda Pública, com a expedição de precatório (art. 730 do CPC).
8. A Primeira Seção do STJ, em 23.2.2011, analisou o argumento de que as anistias outorgadas com base na Portaria 1.104/1964 estão em procedimento de revisão e decidiu que, como ainda subsiste o ato que concedeu a anistia ao impetrante, conferindo-lhe reparação econômica, permanece a omissão no seu cumprimento, de forma que não há alteração nas condições da ação.
9. Não obstante, na assentada de 13.4.2011, em razão da edição da Portaria Interministerial 430, de 7.4.2011, que fixou prazo de 180 dias para a conclusão dos processos de revisão de anistias, a Seção consignou que, como o pagamento das verbas será feito por meio de precatório - e, portanto, os valores não serão levantados pelo impetrante antes do término do prazo estipulado -, a suspensão dos julgamentos será inócua. Por outro lado, salientou que, na eventualidade de ser cassada a anistia, fica prejudicado o provimento judicial obtido no presente mandamus.
10. Mandado de Segurança concedido, com a ressalva de que, revogada a anistia concedida ao impetrante, cessam os efeitos desta ordem.” (STJ, MS 15703/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2011, DJe 04/10/2011).

No STF, se colocou também a questão, que vem sendo resolvida a luz do acordão paradigmático da larva do Min. Carlos Veloso, ao reformar acordão que dava pela impossibilidade do pagamento de parcelas atrasadas no Mandado de Segurança, a consideração de que este “não se presta a substituir a ação de cobrança”.

Na ocasião, com base em parecer do MP, que julgou correto, o Min. Carlos Veloso argumentou que não se tinha no caso uma ação de cobrança, porque o MS estava substanciado na efetivação de um direito já reconhecido, e, por isso, não se assemelhava a uma ação de cobrança:



Aqui se está também diante de um direito reconhecido à impetrante pelo próprio voto concessivo do MS, que é o direito à remuneração de cinco (5) meses de vencimentos após o parto, e que pode e deve ser pago, com a devida vênia, nos próprios autos do writ, muito embora se trate de remuneração relativa a período que se coloca aquém da data do ajuizamento do mandamus.

Compreende-se, à luz do direito jurisprudencial invocado, que a omissão da lei sobre o tema, na vigência do novo regime jurídico do MS, não é empecilho à formulação deste entendimento, como é, aliás, de r. Acórdão do STJ, da lavra do em. Min. Herman Benjamin, já transcrito, com data de 14.09.2011, no qual se dá pelo pagamento ao impetrante de reparação econômica relativa a períodos pretéritos, inaplicadando-se à espécie a Súmula 269/STF e 271/STF (MS 15.7037DF).

Essa omissão legislativa do novo regime do MS, que, não obstante vem sendo contornado pela jurisprudência posterior à nova lei do MS, como é o r. Acórdão do STJ, da lavra do Min. Herman Benjamin (V. MS 15.703DF), foi acremente censurada por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao anotarem o art. 14 da nova lei do MS, que, apesar de tudo, não se constitui em nenhum novidade no novo regime do MS, porque não passa de simples reprodução do art. 1º da Lei 5.021/66, na vigência da qual o Min. Vicente Cernicchiaro decidiu pelo pagamento dos efeitos pretéritos do MS:

Trata-se de verdadeiro contrasenso da lei, pois se o ato coator foi reconhecido como ilegal ou abusivo, deve ser atingido em seu nascedouro, não fazendo sentido a autoridade coatora pagar as verbas a partir do ajuizamento da ação e não desde a prática do ato ilegal. A norma atenta contra a natureza das coisas, pois é da essência da sentença que reconhece a ilegalidade de ato administrativo, anulá-lo ab ovo, com todos as consequências ou resultados”. (V. Código de Processo Civil Comentado, 2010, p. 1717, nota § 4º;6)

De seu lado, Cassio Scarpinela Bueno, que é o grande monografista do mandado de segurança da atualidade doutrinária brasileira, em relação à omissão da nova lei do MS sobre os efeitos pretéritos do MS e o seu respectivo cumprimento nos autos do próprio writ, apela, subsidiariamente, para o art. 475-N do CPC, e, diante da amplitude da executividade da sentença que reconhece a existência de pagar quantia, defende a compreensão de que a declaração de ilegalidade do ato que suprimiu ou suspendeu o pagamento de verbas remuneratórias do servidor público “é suficiente para autorizar que a recomposição do direito violado se dê de forma mais ampla possível”, quer “para o futuro”, ou quer “para o passado”, sendo que “para instrumentalizar a execução para o passado é suficiente que o impetrante, obtendo o reconhecimento do seu direito pela sentença, liquide os valores respectivos, (…), executando a Fazenda nos moldes do art. 100 da Constituição Federal”, tendo assim a aplicação subsidiária do art. 475-N do CPC ao caso do MS “o condão de viabilizar que a concessão do mandado de segurança possa dar ampla proteção ao jurisdicionado”, garantindo-lhe a reparação da lesão ao seu direito tanto para o presente, quanto para o futuro, como para o passado:

O § 4º do art. 14 da Lei nº 12.016/2009 estabelece que “o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou atárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data de ajuizamento da inicial.
Trata-se da disciplina que ocupava o art. 1º, caput, da Lei nº 5.021/1996 e que continua a garantir que a concessão de mandado de segurança que diga respeito a vantagens pecuniárias envolverá as prestações que se vencerem desde a impetração. Diferentemente do que dispunha o § 3º do art. 1º da Lei 5.021/1996, nenhuma palavra é dita com relação às prestações que se vencerem antes do “ajuizamento da inicial.”
O legislador, por certo, deixou-se influenciar pelas Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal segundo as quais, respectivamente: “ O mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança” e “concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.
(…)
Pena, contudo, que o legislador não tenha verificado que a Lei n. 5.021/1996 era norma jurídica posteior às duas Súmulas destacadas e que, por isso mesmo, já deveria prevalecer para a regência da matéria. É certo que a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal, tanto quanto a ampla maioria da doutrina e da jurisprudência dos nossos Tribunais, entendiam que as diretrizes sumulares prevaleciam sobre disciplina legislativa, mas o lamento é tanto maior com advento da Lei n. 12.016/2009, na medida em que na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça começaram a ser colhidas decisões que aplicavam à espécie a normativa legal, combinando, adequadamente, os diversos efeitos extraíveis de uma decisão concessiva do mandado de segurança: reconhecida a ilegalidade ou a abusividade relativa ao pagamento dos vencimentos de um servidor público, por que não permitir que essa mesma ilegalidade ou abusividade fosse reparada por inteiro, desde o instante em que ela foi verificada desde quando se constatou a lesão a direito, portanto, no plano material-, coincida, ou não, com a data do “ajuizamento da inicial”.
Diante da disciplina legislativa específica, que, também aqui, quer ser nova sem o ser, os efeitos pretéritos relativos à abusividade ou ilegalidade, tais quais declarados na sentença concessiva do mandado de segurança, deverão ser buscados pela “via administrativa” ou pela “via jurisdicional” apropriada. Bem ao estilo da precitada Súmula 271 do Supremo Tribunal Federal.
Como, contudo, a conclusão do parágrafo anterior é muito frustante, e sobretudo porque é irrecusável a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao mandado de segurança, mormente para fins de otimização dos resultados a serem nele obtidos, é importante ter presente a interpretação defendida por boa parte da doutrina sobre o inciso I do art. 475-N do Código de Processo Civil. Aquele dispositivo, ao reconhecer como título executivo judicial a sentença que reconhece a existência de obrigação de dar, fazer, não fazer ou pagar quantia, é suficiente, por si só, para viabilizar a execução. Aplicando a regra ao mandado de segurança, é possível sustentar que o reconhecimento de que foi ilegal ou abusivo o desconto imposto ao servidor pelo Estado é suficiente para autorizar que a recomposição do direito violado se dê da forma mais ampla possível: para o futuro, na linha do que expressamente autoriza o §4º do art. 14 da Lei n. 12.016/2009, ou para o passado. Para instrumentalizar a execução para o passado, é suficiente que o impetrante, obtendo o reconhecimento de seu direito pela sentença, liquide os valores respectivos (art. 475-A a 475-H do Código de Processo Civil), executando a Fazenda nos moldes do art. 100 da Constituição Federal, com observãncia da disciplina do art. 730 do Código de Processo Civil. É o que basta para garantir à autoridade coatora e à entidade a que pertence o “devido processo legal”, o “contraditório” e a “ampla defesa” impostos pelo “modelo constitucional do direito processual civil”
É certo que o art. 475-N, I, do Código de Processo Civil padece de incontornável inconstitucionalidade formal por violação ao “devido processo legislativo”. De qualquer sorte, a construção feita pelo parágrafo anterior pode muito bem ser construída, afirmada e reafirmada com base na teoria de que uma decisão jurisdicional que afirma existir uma lesão a direito é, por si só, título hábil para fundamentar execução.
(…)
Assim, a despeito da timidez do legislador mais recente, que não acompanhou, como lhe competia, a evolução legislativa, revogando – e, como mostra o art. 29 da Lei n. 12.016/2009, expressamente – o que enobrecia, ainda mais, o mandado de segurança como mecanismo da tutela jurisdicional efetiva do direito reconhecido ao impetrante, é certo que a construção destacada pelos parágrafos anteriores tem o condão de viabiliar que a concessão do mandado de segurança possa dar ampla proteção ao jurisdicionado, na medida em que se viabilize, ao longo do contraditório, o reconhecimento da lesão presente, futura e pretérita e a necessidade de sua reparação”. (V. A Nova Lei do Mandado de Segurança, 2009, p. 87-91).

À luz deste preciso escólio doutrinário, é imperioso reconhecer que o voto concessivo de segurança, proferido por eminente relator, reconhece a existência da obrigação do impetrado de pagar à impetrante cinco (5) meses da remuneração do cargo em comissão que ocupava na administração estadual e do qual não podia ser exonerada enquanto estivesse no gozo da establidade provisória, que lhe era garantida constitucionalmente.

Nestas circunstâncias, reconhecido à Impetrante “o direito à indenização substitutiva”, constituída por valores decorrentes da declaração de ilegalidade do ato exoneratório de sua função de confiança, o voto condutor do processo ofereceu-lhe, com esse reconhecimento, tutela jurisdicional completa, desde que não se limitou a declarar a ilegalidade do ato coator de exoneração arbitrária da impetrante, mas foi mais além, e, também, reconheceu-lhe “o direito à indenização substitutiva” ou ao “percebimento de remuneração correspondente ao cargo em comissão que ocupava até cinco (05) meses após o parto”.

Ora, se a tutela jurisdicional está completa, porquanto o comando do voto condutor ao declarar a ilegalidade do ato, estabeleceu também o direito da impetrante à indenização substitutiva, estão presentes, nesta conclusão do voto concessivo da segurança, todos os elementos da obrigação nascida da ilegalidade do ato exoneratório, isto é, sujeitos, prestação, liquidez e exigibilidade, não havendo mais necessidade de enviar a impetrante a via ordinária, pois, nas palavras do Min. Teori Albino Zavascki, “se a norma jurídica está definida, de modo completo, por sentença, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da coisa julgada, assegurada constitucionalmente”, pois, afinal, “se tal sentença traz definição de certeza a respeito, não apenas da existência da relação jurídica, mas também da exigibilidade da prestação devida, não há como negar-lhe, categoricamente, eficácia executiva”:

... se tal sentença traz definição de certeza a respeito, não apenas da existência da relação jurídica, mas também da exigibilidade da prestação devida, não há como negar-lhe, categoricamente, eficácia executiva. Conforme assinalado anteriormente, ao legislador originário não é dado negar executivamente a norma jurídica concreta, certificada por sentença,se nela estiverem presentes todos os elementos identificadores da obrigação (sujeito, prestação, liquidez, exigibilidade), pois isso representaria atentado ao direito constitucional à tutela executiva, que é inerente e complemento necessário do direito de ação. Tutela jurisdicional que se limitasse à cognição, sem as medidas complementares necessárias para ajustar os fatos ao direito declarado na sentença, seria tutela incompleta. E, se a norma jurídica individualizada esta definida, de modo completo, por sentença, não há razão alguma. Lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior; sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. Instaurar a cognição sem oferecer às partes e principalmente ao juiz outra alternativa de resultados que não um já prefixado representaria atividade meramente burocrática e desnecessária que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional. Portanto, repetimos: não há como negar executividade à sentença que contenha definição completa de norma jurídica individualizada, com as características acima assinaladas. Talvez tenha sido esta a razão pela qual o legislador de 1973, que incluiu o par. ún. do art. 4º do CPC, não tenha reproduzido no novo Código a norma do art. 290 do CPC de 1939”.(Apud Cassio Scarpinela Bueno, ob.cit, p. 90/91)

Nestas circunstâncias, mandar a impetrante para a via ordinária, para buscar a cerificação de direito que já foi reconhecido pelo voto concessivo da segurança, que deu corretamente pela ilegalidade do ato exoneratório e pelo pagamento “dos valores decorrentes desta ilegalidade”, a título de “direito à indenização substitutiva”, sem equiparar, o que evidentemente não é intenção nem propósito do em. relator deste processo, a decisão de mérito que está proferida com concessão parcial do MS, a acórdão denegatório do MS, que, na forma do art. 19 da LMS, “não impedirá que o requerente por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”:


Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais. 

Numa palavra, o r.voto condutor do processo, que concedeu, parcialmente, no mérito, o MS à impetrante, já reconheceu os direitos da impetrante à indenização substitutiva, e os seus respectivos efeitos patrimoniais, ou seja, “o percebimento da remuneração”, isto é, “dos valores decorrentes desta ilegalidade”, que, por ser assim, não precisam mais ser reconhecidos ou certificados pela impetrante nas vias ordinárias.

Diante do exposto, considerando a discussão dos fatos, à luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, peço vênia ao em. Des. Erivan José da Silva Lopes, para afastar, no caso concreto, a incidência das Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de garantir o recebimento, por parte da Impetrante, da indenização substitutiva da remuneração a que fez jus pelo período de licença gestante, qual seja, cinco meses após o parto, neste mandado de segurança.

III. DECISÃO

Forte nessas razões, maxima venia do voto do eminente Relator, concedo parcialmente a segurança, no sentido de declarar i) a ilegalidade do ato impugnado e ii) o direito da Impetrante ao recebimento da indenização correspondente a cinco meses da remuneração do cargo comissionado que ocupava, a partir da data do parto, independentemente da propositura de quaisquer demandas para a cobrança dos valores decorrentes da ilegalidade da exoneração arbitrária da Impetrante, que lhe são devidos, a título de indenização substitutitva, e que como tais, já se encontram reconhecidas neste processo, pelo voto de concessão parcial da segurança.

É o meu voto.


Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
Voto-vista
  
Para citação: TJ-PI, MS nº 2011.0001.002542-0, TRIBUNAL PLENO, Rel.  Des. ERIVAN JOSÉ DA SILVA LOPES, julgado em 22-03-2012, DJ-e em 09-04-2012, considerando-se publicado em 10-04-2012.